“Foi apenas um sonho” e o desafio da busca da felicidade

Quais critérios norteiam suas escolhas na vida?

Confesso que demorei para decidir com qual filme começaria minha trajetória no Cinematologia; E depois de alguma reflexão, indaguei-me acerca de qual o real motivo de querer e gostar de revisar filmes. Concluí que o que me movia depois de um bom filme era o fato de não conseguir pensar em outra coisa, senão na película recém vista. Então decidi: tinha que ser um desses filmes que me deixavam sem palavras.

“Foi apenas um sonho” retrata, em síntese, a realidade do jovem casal Wheeler, em meados da década de 1950, que vive uma dicotomia. Aos olhos de todos são o casal ideal, onde Frank possui um emprego regular em uma companhia respeitada; April é mãe de duas crianças e cuida da casa, uma mulher elegante, parecendo sempre gentil e disposta. Os papéis são estrelados pelo par grandioso composto por Leonardo DiCaprio (O Lobo de Wall Street) e Kate Winslet (O Leitor), casal este que se reencontra onze anos depois de Titanic (1997).

Porém, diferentemente do que as aparências indicam, o marido está em um emprego que despreza, seguindo os passos de seu pai; a esposa é frustrada por não ter sido bem-sucedida na carreira de atriz que tanto quisera e sofre a dureza da maternidade não desejada. Em que pese o casal retratar externamente o modelo de felicidade, o que eles sentem não corresponde às aparências.

A partir de uma ideia de April – a face sonhadora do casal – surge uma oportunidade em suas vidas: uma mudança para Paris, o ensejo de um recomeço. Eis que nesse momento, a oferta da mudança torna a vida do casal mais dócil e esperançosa; os conflitos que diariamente amarguravam repetidamente o casamento, parecem ser solucionáveis neste novo espaço e, é nesse momento que o espectador vê uma saída para um casamento praticamente fadado ao término.

Entretanto, com o decorrer do filme, as amarras da responsabilidade e do julgamento acabam, de alguma forma, mudando a cabeça de Frank ao se deparar com uma possível promoção, ainda que seja no emprego detestável. Imediatamente, dedos começam a ser apontados e críticas advindas do círculo de amizades do casal são certeiros ao tacharem de “irresponsável” a mudança para Paris.

E então se revela a questão crucial do filme: a possibilidade do recomeço. Para o casal, o contexto em que estão inseridos é problemático em diversos aspectos. A cidade em que vivem, o emprego que não é o ideal, a rotina que entendia. Assim, rompendo essa lógica através de uma mudança abrupta, abre-se um novo mundo, um recomeço.

Entretanto, perante tamanha pressão, os planos arriscados dão lugar à certeza e à chamada responsabilidade, razão pela qual Frank decide manter-se onde está. O título “Revolutionary Road”, que trata da rua na qual o casal reside revela a ironia da narrativa, já que não há nada de revolucionário no desfecho da história. Igualmente, a tradução do título para o português faz jus, uma vez que foi, de fato, apenas um sonho. A tão esperada mudança jamais ocorre e, April em profundo desespero se vê presa à sua sufocante realidade.

Com um elenco de peso – além do casal incrível de protagonistas – tem-se ainda Kathy Bates (Louca Obsessão), David Harbour (Stranger Things) e Michael Shannon (Animais Noturnos), todos com atuações memoráveis. Sublinhe-se que o personagem de Shannon, no filme caracterizado como “transtornado” evidencia-se como o único que encoraja a partida dos Wheeler, fato que causa estranheza ao casal, visto que o personagem é tachado como lunático.

A trama é uma adaptação do best-seller de Richard Yates, datado de 1962, contendo, porém, um apelo extremamente atual: a busca incessante pela felicidade em contraposição à noção de vida ideal pré-definida pela sociedade que nos norteia. É seguro afirmar que a constância de uma situação desagradável gera o conformismo e, para tanto, certas mudanças na vida podem ser ruptura que impulsiona a busca novos horizontes aptas gerar mudanças de comportamento. Mas é também da natureza humana questionar e julgar aqueles que o fazem.

Todos os elementos da história a transformam em um clássico atemporal, vide a própria época de lançamento da obra original. E com um trabalho magnífico, o diretor Sam Mendes adaptou o livro às telas. Vale lembrar que Sam Mendes também dirigiu o premiado “Beleza Americana” (2000), no qual também tece uma crítica ao famigerado “american way of life”. Curioso também mencionar que Mendes – que à época era casado com Kate Winslet – insistiu que Leonardo DiCaprio atuasse no filme, pois apostava no entrosamento entre o par.

O realismo constante de “Revolutionary Road” é duro e amargo. Não há como não se identificar em algum momento, vez que a obra é a vida estampada nas telas. Quantas oportunidades na vida já foram deixadas de lado por medo do julgamento dos outros? E quantas vezes aqueles que são incompreendidos são chamados de “loucos” pelas suas ações? Seria necessária a mudança de vizinhança ou de país para modificar velhos hábitos prejudiciais à vida? Todos esses questionamentos (entre outros) deixam o espectador reflexivo por longos períodos após o término do filme.

O protagonista Frank fez uma escolha ao preferir seguir a carreira no emprego que detestava. Ele sucumbiu aos moldes impostos; optou pelo conforto e pela segurança. Nesse momento, ele já sabia exatamente a vida que levaria dali para frente. E, com um final devastador, vem à tona o questionamento de quais critérios orientam nossas escolhas.

Assim, com intuito de inspirar e refletir, “Foi apenas um sonho” vale a assistida do início ao fim, seja nos diálogos fervorosos e, sobretudo, na falta deles, que fazem de certas cenas mudas momentos cruciais do filme. A mensagem, ao final, é simples: nossa existência não é especial, nem de longe. Mas será justo passar uma existência preso à infelicidade? Recordo-me, nessa ocasião, de um ditado: seria melhor passar a vida com a dor do fracasso ou com a dor do arrependimento?