Imagem: Divulgação“A câmera é como uma arma, com forte poder de influência”, disse Bahman Ghobadi, diretor. Essa frase deixa bem claro o poder do cinema como ferramenta de resistência social, política e formador de ideologia. Assim, as pessoas podem entender determinados filmes como um protesto, uma maneira de representar uma classe que não consegue se defender naquele momento.
Majid Majidi, diretor deste “Os Filhos do Paraiso” talvez tenha pensado nisso no momento de escrita de roteiro e filmagem da obra. Vemos um retrato de como a sensibilidade e a empatia podem superar a falta de recursos financeiros. E somos convidados a enxergar tudo isso pelo ponto de vista de crianças.
Do viés fílmico, a história relatada funciona muito melhor tendo crianças nos seus papeis principais, mas, por outro lado, a obra lançada em 1997, quase 20 anos após o fim da revolução iraniana, mostra que o uso de crianças pode ter sido para escapar da censura do governo e assim ter a obra sendo exibida no país. E, claro, não há problema nisso, até porque, caso seja esse o motivo, é também uma forma de resistência social.
Um par de sapatos é o dominante na história, Ali, menino de aproximadamente 12 anos, após sair para fazer compras para a mãe e arrumar os sapatos de sua irmã Zahra, perde os calçados após um imprevisto. Como esse era o único par pertencente a irmã, a culpa domina o garoto, e ele decide dividir o seu tênis (ele também tem apenas um) com ela, para a garota poder ir para escola.
Tecnicamente expressivo (como praticamente todo o cinema iraniano), a obra tem como grande ponto positivo a abordagem de assuntos sérios de maneira simples, sensível, de fácil entendimento. O público vê como funciona os aspectos da cultura iraniana, as rotinas das famílias, os comportamentos das pessoas, tudo isso pelos olhos de Ali e Zahra, crianças localizadas no meio de tudo aquilo, mesmo que ainda não saibam como as coisas funcionam.
Logo, é comovente ver como Zahra nunca fica brava com o irmão a ponto de deixar de ajuda-lo e como Ali sente-se culpado por ter perdido os sapatos. A menina, apesar de ficar nervosa com o irmão em um primeiro momento (até porque, era o único par de sapatos) sempre olha para ele com aquela expressão doce no olhar, como se ela dissesse “Calma, vai ficar tudo bem, não foi culpa sua”.
Sempre tentando ajuda-la e reparar o erro, Ali também usa de sua expressão para expor o seu arrependimento, ele sente culpa por ter perdido o calçado, ele sabe a importância daquilo, como ele próprio diz, o pai deles não tem dinheiro para comprar outro, mesmo tendo vontade de fazer isso. É como se o menino tentasse, o tempo todo, cuidar da irmã, e isso explica várias coisas, ele é bom aluno na escola não por apenas gostar de estudar, mas também por querer ter um bom futuro, ele ajuda em casa (com tarefas domesticas simples) não apenas por conta de ordens da mãe, mas para que a irmã consiga ter uma infância, porque aparentemente, ele não teve.
Logo, a projeção é sim, focada na divisão de um mesmo par de tênis, mas, há também várias mensagens implícitas: o papel de adulto muito cedo na vida, a busca por um futuro melhor para si mesmo e para a irmã tão amada, o arrependimento por um erro e claro, a exposição de um país pós revolução.
Juntando esses aspectos elencados a fluidez de câmera, sempre buscando acompanhar os personagens, ao invés de usar cortes para passar uma impressão de movimento, “Filhos do Paraiso” é um filme rico, socialmente necessário, politicamente engajado e sensivelmente bonito.
Levando isso em consideração, a cena da corrida merece um destaque especial, apenas ela em separado merece todo um texto, para destacar posicionamento e movimento de câmera. Porém, o mais valioso na cena é vermos como é possível nos importarmos um com os outros de tal forma que acabamos por esquecer de nós mesmos.
Poucos filmes conseguem expor todos esses sentimentos como “Filhos do Paraiso”, poucas obras têm essa expressividade. Felizmente, tudo se encaixa aqui com tanta maestria, que nem vemos o tempo passar. Assim como crianças não veem a infância ir embora. O que resta é torcemos para que a infância e o filme passem devagar, para aproveitarmos o máximo possível.
Formado em Jornalismo e apaixonado por cinema desde pequeno, decido fazer dele uma profissão quando assisti pela primeira vez a trilogia “O Poderoso Chefão” do Coppola. Meu diretor preferido é Ingmar Bergman, minhas críticas saem regularmente aqui e no assimfalouvictor.com