Nota do filme:
“Mas então o que é a fé senão a busca pela verdade?” Lúcia dos Santos (Sônia Braga)
Fátima – A História de Um Milagre conta a história das visões de três crianças em meio à Primeira Guerra Mundial. Elas alegam ter visto e ouvido a Virgem Maria, que trazia uma mensagem de paz nesse período de dor e sofrimento global. O fato ocorreu em 1917, na cidade de Fátima, em Portugal e aos poucos repercutiu pelo mundo inteiro. O longa inicia ambientando o público com um texto sobre o período em que se passa a trama e em um momento lê-se que “a guerra, embora não lutada dentro de seu território, causou grande pobreza e a morte de muitos soldados e civis”. Tal citação justifica que o local, de pobreza e morte, precisava de esperança, necessitava de uma mensagem de paz. E é nessa conjuntura que as aparições da Santa Maria (Joana Ribeiro) acontecem.
Em paralelo à história das crianças, a obra passa para 1989, quando um professor, Nichols (Harvey Keitel), vai ao encontro da Irmã Lúcia (Sônia Braga) para indagar sobre seu testemunho, a fim de acrescentar seu relato ao livro que está escrevendo. Ambos sempre aparecem com alguma divisória entre eles para enfatizar a oposição de pensamento, mas as questões do professor não deixam a Irmã desconfortável, pelo contrário, motivam-na a contestar e prosseguir o diálogo, ela não se intimida com a forma cética como ele demonstra suas convicções e nem tenta dissuadi-lo, forçando uma conversão. A frase dita por ela resume bem sua parcimônia diante dos questionamentos: “sempre fui fascinada por opiniões contrárias às minhas”.
A interação entre os dois é o ponto alto do filme, pois é no conflito entre eles que o público descrente sacia a curiosidade sobre o fato e se vê representado. No entanto, o foco da película é a dúvida que gira em torno da história da menina. Não apenas os cidadãos ao redor, mas a própria família põe em cheque o relato da criança. E mesmo mais de 70 anos depois, há a suspeita sobre o ocorrido, exposta pelo professor, que com suas indagações inquietantes, testa a veracidade do evento. Não se quer induzir o espectador a acreditar na versão dos meninos, mas percebe-se a tendência a apontar que as aparições ocorreram.
Todavia, não deixa de existir o contraponto sobre o episódio de mais de cem anos atrás. Em determinado momento, quer-se mostrar que a menina teria razão para inventar toda essa história: guerra, fome, solidão, falta de afeição dos familiares. Seriam esses os motivos que levariam uma menina de dez anos a inventar e induzir outras crianças a fazerem o mesmo? Ou a imaginar que uma Divindade entrou em contato com ela em um período tão desolador para trazer-lhe conforto e paz?
É nesse ponto que se diferencia do filme O Milagre de Fátima (The Miracle of Our of Lady of Fatima, 1952), o qual não pretende, nem ousa desprestigiar a versão de Lúcia, Jacinta e Francisco. Neste, lançado há quase 70 anos, não há um contraponto sólido por parte de algum personagem. As visões são desacreditadas a princípio pelos familiares e cidadãos, mas logo todos são convencidos, restando apenas as autoridades locais, que acabam atuando como os vilões da trama. Há pequenas diferenças entre este e o atual, o que leva a pensar que, talvez, Fátima – A História de um Milagre seja desnecessário, já que não inova muito.
O elenco é acertado. As crianças cumprem bem suas funções e o destaque vai para Stephanie Gil, intérprete da protagonista Lúcia quando nova, que entrega uma ótima performance. Harvey Keitel e Sônia Braga provam que continuam brilhando. Todavia, um fator desfavorável que pode incomodar o público é o idioma falado na obra. O longa se passa em Portugal com um elenco de maioria de nacionalidade não inglesa e, mesmo assim, é todo falado em inglês, sem qualquer justificativa plausível para tanto.
Dirigido por Marco Pontecorvo, que também é diretor de fotografia, não há como não notar a estética da película. A direção de arte também é efetiva. O conjunto da obra, na verdade, satisfaz. É realizado com primor. Muito embora o roteiro seja voltado para um público específico, porque temas religiosos geralmente não têm força para chegar a todos, é interessante conhecer pelo fato histórico. Verdade ou não, fica a critério da fé de cada um. O fato é que o que aquelas crianças contaram mudou as suas vidas e inspirou dezenas de milhares de fiéis que se deslocaram até Fátima, na esperança de testemunhar um milagre. Foi esse acontecimento que transformou a cidade em um dos principais lugares de peregrinação.
Mentira, invenção de criança para chamar a atenção, imaginação fértil ou os meninos realmente vivenciaram uma experiência divina? O filme não fornece essa resposta, embora fique clara a intenção de conduzir o espectador a acreditar que o evento trata-se de um fato histórico. Resta ao público acreditar ou não: ou o espectador crê nas aparições ou acredita que tudo não passou de uma invenção ou imaginação dos pequenos, mas se a história conseguir levar esperança e conforto espiritual para dezenas de pessoas, vale à pena.
Fátima – A História de um Milagre estreia 14 de outubro nos cinemas.
Direção: Marco Pontecorvo | Roteiro: Valerio D’Annunzio, Barbara Nicolosi, Marco Pontecorvo | Ano: 2020 | Duração: 113 minutos | Elenco: Stephanie Gil, Alejandra Howard, Jorge Lamelas, Lúcia Moniz, Goran Visnjic, Sônia Braga, Harvey Keitel, Joaquim de Almeida, Joana Ribeiro, Alba Batista, João Arrais, Marco D’Almeida. Carla Chambel, Elmano Sancho, Iris Cayatte, João Arrais.
Apaixonada por filmes e séries, queria transformar o mundo em um lugar melhor, deitada na minha cama, ligada na TV.
“Sou só uma garota ferrada procurando pela minha paz de espírito.” Kruczynski, Clementine (Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças).