Algo atual e possivelmente cada vez mais tradicional no futuro será a televisão como fonte de grandes trabalhos no audiovisual. Muitos nomes de sucesso já migraram para ela (Nicole Kidman e David Fincher são bons exemplos), trabalharam com ela durante boa parte de sua carreira (David Lynch e a série “Twin Peaks”) e outros pensam em realizar essa mudança.
Pois, felizmente para alguns, infelizmente para outros, a televisão é um futuro para trabalhos audiovisuais que não funcionariam no cinema e para trabalhos que demandariam muito dinheiro, muitos filmes e criariam franquias longas demais e sem qualidade, muitas dessas poderiam envolver viagens no tempo e é difícil de acontecer mais um caso de sucesso como o de “De Volta para o Futuro”.
Imaginem uma série como “Dark” no cinema, é muito difícil pensar em tantas complexidades encaixadas nas tradicionais 1h40/ 2 horas de filme. Há diversas histórias embutidas na série e no cinema, isso acarretaria em mais uma das franquias desnecessárias, tão frequentes hoje em dia e sem dúvida alguma, no formato serial, a qualidade do roteiro é mantida.
Criada por Baran Bo Odar, acompanhamos as histórias de moradores da pequena cidade de Winden. Nessa cidade, no ano de 1986, ocorreu o desaparecimento do irmão de Ulrich, 33 após isso (ou seja, 2019), outro desaparecimento idêntico acontece, dessa vez com o filho deste, agora trabalhando como policial na cidade. A série se desenrola em múltiplas linhas temporais, sempre com base nos dois casos já citados.
A grande riqueza de “Dark”, sem nenhuma dúvida, é como a série trata de maneira igual os seus vários personagens principais, utilizando de suas variações temporais para realizar um aprofundamento nos perfis dos protagonistas. Aos vermos as versões mais novas de adultos bem-sucedidos, notamos como as pequenas coisas os fizeram ser assim, como por exemplo Charlotte fazendo suas investigações particulares em 1986 e o ódio de Ulrich pelo chefe de polícia naquele mesmo ano.
Esses dois exemplos citados não são nem metade dos vários existentes na série, há o personagem de Helge, que parece ser irrelevante no começo, mas vai crescendo e se tornando importante no final, há os pais de Ulrich, Regina como a dona do hotel e seu marido, atual chefe da usina. Todas essas tramas são intercaladas de maneira intricada, não funcionando uma sem outra e criando outras histórias para os personagens secundários, como Martha (filha de Ulrich), Franziska (filha de Charlotte) e Bartosz (filho de Regina).
Secundárias por enquanto, fica claro que esses personagens (principalmente o ultimo citado) serão mais trabalhados na próxima temporada. Assim como o vilão da série, pois o objetivo deste foi apresentado, mas os motivos que o levaram a realização de todos os atos mostrados não, assim esse aprofundamento a ser realizado (acrescentando a isso o personagem de Jonas, que não será citado para evitar spoilers), fica como um dos assuntos a serem tratados a seguir, servindo como gancho.
Estruturalmente falando, a série tem todas as suas tramas interligadas como foi dito acima, isso se deve por conta de seus episódios durarem exatamente o que devem, além dos cortes serem realizados na medida certa. Todas as cenas são essenciais, principalmente aquelas pertencentes aos episódios 4 e 5, onde é contextualizado o ano de 1986 e quem são as pessoas de 2019 que estão vivas em 86, se tornando eficaz justamente por trazer uma espécie de comparativo entre um ano e outro, nisso reside a talvez melhor cena da temporada, pai e filho, sentados no mesmo lugar, porém, em anos diferentes.
Talvez, o único defeito da série esteja nas atuações, nem todos os atores e atrizes tem a mesma qualidade, mas, devido a riqueza estrutural tanto no roteiro, quanto na montagem, essa questão passa despercebida, já que é sobreposta por outras de incrível qualidade, como as citadas nos parágrafos acima e a fotografia que usa uma paleta de cor com pouca saturação, dando mais ênfase a escuridão da trama.
Logo, “Dark” talvez seja uma das surpresas mais agradáveis no atual mundo televisivo e isso não é pouco, vide que o ano de 2017 foi muito prolifico nas séries, com várias despontando como sucesso de público e crítica. Porém, a diferença entre “Dark” e essas séries é que a segunda temporada pode ser ainda mais complexa do que essa, trazendo mais riqueza a trama e intrigando cada vez mais os fãs ao redor do mundo, isso a consolida como uma das grandes estreias no panorama recente.
Formado em Jornalismo e apaixonado por cinema desde pequeno, decido fazer dele uma profissão quando assisti pela primeira vez a trilogia “O Poderoso Chefão” do Coppola. Meu diretor preferido é Ingmar Bergman, minhas críticas saem regularmente aqui e no assimfalouvictor.com