Nota do Filme:
A primeira ilusão da vida é a de que podemos lhe apreender, lhe agarrar pelas rédeas, de que teremos total e completo controle sobre a escrita dos nossos capítulos sem qualquer interferência transcendental. A co-produção espanhola e grega Uma Janela Para o Mar é a prova real de que a melhor forma de se viver é aceitando a finitude humana e dar as mãos ao destino que está diante de nós e ao mesmo tempo fora de nosso alcance. Na pele de Maria, uma mulher imersa na sua introspecção e obrigação, a atriz Emma Suárez dá vida à uma mulher de 50 anos que inesperadamente descobre um câncer terminal e precisa encontrar um equilíbrio entre dilemas universais: ceder às amarras do que esperam que seja feito, aqui seguir o tratamento da doença na vida claustrofóbica da cidade, ou seguir o chamado do coração em direção a Grécia nestes últimos momentos que lhe resta.
Ao se deparar com o que o caminho tradicional iria lhe proporcionar, uma rotina de limpezas e tempos ociosos na casa do seu filho, Maria decide então desembarcar em terras gregas ao lado de duas amigas que representam os dois lados dessa jornada terminal: o adeus e a aprazível resignação, duas perspectivas que serão essenciais no encontro de Maria com si mesma. Sob o olhar gentil de Miguel Ángel Jiménez, essa odisseia evoca o estado onírico das paisagens, monumentos, símbolos e cidadãos gregos como uma ferramenta libertadora para a personagem, bem como para o espectador que é transportado para cada ruela, montanha e mar ali exibido.
Em planos panorâmicos, a direção de Jiménez, acolhida por uma fotografia vívida e límpida, possibilita que Maria se torne pequena diante da imensidão natural, como apenas mais uma no mundo que precisa vivenciar as etapas da vida, ao mesmo tempo que a potencializa em sua humanidade ao permitir que ela consiga, pela primeira vez, respirar e abrir os braços para sentir o seu próprio peso. Ali, a personagem olha para si mesma, para suas questões, lembranças e anseios, colocando-se em perspectiva com a presença do lugar, das suas amigas, de um novo amor e dos desconhecidos que passam a ter significados a cada encontro.
Diante desses espelhos, a protagonista encanta com a sua circunspeção, amparada por um roteiro que é sagaz o suficiente para entender que a força dessa jornada está nas reflexões implícitas dos diálogos e potencializada por uma atuação impositiva, singela e honesta de Suárez, que entrega muito e nada através de expressivas nuances do próprio corpo. Afinal, a transformação da personagem é interna e diz respeito somente a ela. Sua franqueza está em uma nudez ao mar, um olhar, uma respiração, um toque, uma epifania: eles são o caminho para conhecer quem é essa mulher – ou quem ela é em cada um de nós. O longo propõe então uma imersão sensível da dura realidade que pode nos afligir quando menos espera-se, colocando tudo sob novos primas, de modo que o olhar para o mundo torna-se mais suscetível aos pequenos prazeres e detalhes antes perdidos e que são essenciais para mostrar novos caminhos. O diretor tem muita delicadeza ao retratar esta personagem de forma fidedigna e fiel a ela e nunca a vitimiza ou a romantiza, optando por sempre elucidá-la como alguém que está mais viva e atenta do que nunca em uma abordagem minuciosa.
A despeito dessa sensibilidade comprometida de Miguel, sua direção, no entanto, por vezes se apresenta como irregular e durante todo o longa a sensação é a de que está ainda tentando encontrar um equilíbrio entre as suas escolhas narrativas, desgastando a história. O olhar intimista e vasto, o close-up e os planos médio e aberto, não se encontraram em uma mesma sequência e quando separados não são ineficazes, ainda comovem, mas não permitem que o longa atinja a sua zênite em momentos que são chaves do roteiro para que a própria protagonista consiga ser menos impenetrável em seu rubor. Quando vemos Maria, por exemplo, andando de moto sem nos aproximar ou boiando no mar, sentimo-nos como meros turistas, assim como quando parece que tocamos as suas mãos que amassam a areia de tão perto que a câmera está, fechada naquele tempo-espaço, a identificação é com uma sensação aquém da personagem.
Na tentativa de exprimir significados e reflexões de cada presença em cena, de um objeto a um olhar, o diretor ainda abusa de escolhas visuais, como o movimento de câmera zoom-in, em detrimento da elegia – que se torna inócua e cansativa quando há essa vontade de fazê-la ser onipresente, tirando exatamente aquilo que a torna especial: a sua intempestividade. Estruturados ainda em uma montagem curta e seca, esses dispositivos então contribuem, enquanto uma equação visual, para que a jornada não se expanda em toda a sua plenitude. O que há então é um entendimento do que ela vivencia, mas sem a conexão potencializadora necessária.
É somente no último ato que esse equilíbrio visual se concretiza de uma forma ressonante e consegue reerguer a jornada de Maria, que encontra a paz na possibilidade de escolha dessa vida ao lado de um homem simples. Sob os toques de um sino, emoldurada como uma sombra e amada por um afago ao pescoço, a presença de Maria é legitimada no pé de uma escada de frente para o mar. É assim, enfim, que conseguimos nos conectar com ela. Nesse encontro final, o filme se fortalece sob a sensatez de que todos, em algum momento, irão ser uma Maria, de um jeito ou de outro, porque o poder humano sobre a vida é efêmero e ameno. À seu próprio modo, nos seus tempos de silêncio e de resguardo, Uma Janela Para o Mar é uma aula sobre a existência humana e evidencia o que há de mais bonito nela: o prazer dos detalhes e dos grandes pequenos momentos, que são exatamente aquilo que fazem tudo valer a pena e cujo significados aos olhos de cada um é o que perdura pelo órbita do tempo quando já não estamos mais aqui.
Jornalista Cultural, Crítica de Cinema e Produtora Executiva.