Nota do Filme:
O casal formado por Eva (Grazi Massafera) e Vicente (Reynaldo Gianecchini) encontra-se à espera de seu terceiro filho, que se juntará às gêmeas Sara (Luiza Antunes) e Angela (Juliana Bim) na composição do que, aparentemente, é uma típica família de comercial de margarina. Quando as crianças aparecem machucadas, apresentando hematomas misteriosos, as principais suspeitas recaem sobre a mãe, que se vê em uma busca desesperada para provar sua inocência ao mesmo tempo que passa a duvidar de sua sanidade mental e questionar a realidade ao seu redor.
Massafera e Gianecchini, embora competentes em seus respectivos papéis, não possuem exatamente uma química das melhores, o mesmo se aplicando às filhas do casal. Isso dificulta um pouco a nossa inserção naquele universo domiciliar; mas, paradoxalmente, acaba favorecendo a narrativa, uma vez que conforme a história avança, vai ficando claro que algo ali causa estranhamento, como um quadro torto no meio de uma parede. Assim, a pouca dinâmica entre membros do elenco – intencionalmente ou não – ilustra as perturbações existentes naquela família.
Esse paradoxo também está presente no roteiro de Raphael Montes (responsável pela primeira temporada de Bom Dia, Verônica), que, ao longo do filme, nos apresenta indícios dispersos sobre o que está acontecendo na casa, nos despistando constantemente da verdade. Isso pode ser encarado negativamente, como uma proliferação de pistas cuja principal função acaba sendo alongar a produção, ou positivamente, como um reflexo da própria confusão experimentada pelos personagens, sobretudo Eva. Mas há também momentos de grande inspiração, como o de nos apresentar as personalidades das gêmeas através dos presentes que recebem.
Se por um lado o roteiro e as composições das principais personagens carregam muitas ambiguidades, por outro, algumas escolhas técnicas são mais diretas e funcionam muito bem, como a transição entre um momento íntimo do casal para um procedimento médico, assim como o emprego do som diegético, em especial o de aparelhos hospitalares e do vento, que exercem inteligentes funções narrativas.
Mas o principal problema de Uma Família Feliz reside no modo como seus temas são abordados apenas tangencialmente, sem um mergulho que vá muito além da superfície. Seja a depressão pós-parto pela qual Eva passa, ou o peso desproporcional que é depositado sobre a maternidade em comparação à paternidade, passando pelos linchamentos virtuais e a vida em condomínios, sobram tópicos que são pouco explorados, comprometendo até mesmo o impacto da revelação no terceiro ato.
O que é uma pena, pois a sensação que fica é que esses tópicos seriam muito bem tratados pela equipe do longa, de modo que, ao fim da projeção, não resta muito além da impressão de um grande potencial pouco aproveitado.
Historiador que acredita que a vida fica mais fácil quando vamos ao cinema.
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