Nota do filme:
Jane Campion é uma diretora que sabe como construir uma personagem e estruturar isso em um filme. Quando a protagonista de fato é uma pessoa real, é notável como ela usa bem o embasamento da obra da cine biografada para estabelecer o roteiro e os ângulos de câmera escolhidos.
Claro, no caso de “Um anjo em minha mesa” (1990), ela conta com a ajuda de Laura Jones, que escreveu um roteiro soberbo e uma adaptação muito bem feita e com a ajuda da pessoa que vemos a história, Janet Frame, que escreveu sua biografia em três volumes, todos eles utilizados por Campion e Jones dentro do filme.
Como dito, a história da obra é a de Janet Frame, escritora neozelandesa que ficou anos em um hospital psiquiátrico devido a um falso diagnóstico de esquizofrenia. Acompanhamos sua história pela sua autobiografia, já que o filme se divide nos três volumes escritos pela autora, “To the Is-Land” (Para a ilha do ser), “A Angel at my table” (Um Anjo em minha mesa) e “The Envoy From Mirror City” (O enviado da cidade dos espelhos).
Essa divisão é utilizada tanto pelo roteiro quanto pela montagem, já que o filme de fato usa essa forma para contextualizar o público no que diz respeito as passagens de tempo da obra. A primeira parte é dedicada a infância e adolescência de Janet, a segunda é onde vemos a fase adulta e o período passado no hospital e a terceira parte mostra a carreira já estabelecida da autora como escritora e a sua fase mais produtiva.
Ao ver todas as fases da vida da escritora, vemos como certas atitudes dela tem base em seu passado e como outras coisas, como, por exemplo, a “estadia” dela no hospital psiquiátrico, ocorreu devido a pessoas que de forma passivo-agressiva, não conseguiam ver uma mulher com educação e com mais sucesso do que eles e que fique bem claro, não apenas homens.
Campion usa muitos pontos de vista subjetivo para aproximar o público da personagem e fazer o espectador entender, seja por bem ou por mal, o absurdo que Janet passou durante uma parte considerável de sua vida, a câmera quase sempre muito próxima as personagens potencializa esse aspecto, já que é outra ferramenta comumente usada para gerar empatia.
Porém, o que chama a atenção é como o roteiro consegue segurar o filme pelas suas 2h38 de duração, sem perder o ritmo em nenhum momento, estando o tempo todo aliado com a montagem e gerando harmonia entre os atos, conseguimos ligar facilmente um acontecimento a outro, independente da distancia entre eles e a passagem de tempo ocorre sempre de maneira elegante, como aquela em que Janet passa da adolescência para a fase adulta, onde a vemos caminhando entre os trilhos da ferrovia, como se estivesse, literalmente, andando em direção a maturidade.
Tanto as passagens de tempo, quanto o roteiro, montagem e movimentos de câmera, são traços estilísticos que Campion tem como marca registrada e que seriam potencializados oito anos depois em “O Piano”. Logo, acompanhar os trabalhos que antecedem ao filme vencedor da Palma de Ouro em 98 é ver como a diretora evoluiu e criou o seu próprio estilo através de obras femininas e sociais relevantes.
“Um anjo em minha mesa” não é importante apenas por contar a história pessoal e carreira de uma grande escritora, mas também por ser um retrato social e feminino que diz muito sobre a época em que Janet Frame viveu e felizmente prosperou.
Formado em Jornalismo e apaixonado por cinema desde pequeno, decido fazer dele uma profissão quando assisti pela primeira vez a trilogia “O Poderoso Chefão” do Coppola. Meu diretor preferido é Ingmar Bergman, minhas críticas saem regularmente aqui e no assimfalouvictor.com