Crítica | Todos Nós Desconhecidos (All of Us Strangers) [2023]

Nota do filme:

Como seria? O que poderia ter acontecido? O que deixaria de acontecer? Não nos conhecemos, mas considero razoável imaginar que em algum momento, por algum motivo, você já se fez essas perguntas. Longe de ser um exercício de adivinhação, trata-se apenas de uma suposição óbvia considerando a universalidade de tais questionamentos, tão comuns à nossa espécie. E comum também a Todos Nós Desconhecidos, longa que se debruça sobre o tema através de uma abordagem melancolicamente sensível.

Adaptado do livro Strangers, de Taichi Yamada, a história nos apresenta a Adam (Andrew Scott), um roteirista televisivo que vive em um prédio londrino praticamente vazio, cujo único outro habitante aparente é Harry (Paul Mescal). Após um encontro fortuito com o vizinho, o escritor retorna à cidade em que cresceu e percebe que seus pais (Jamie Bell e Calire Foy) parecem estar vivendo como há trinta anos, época em que faleceram.

Ao invés de questionar a realidade ou investigar o que pode estar acontecendo, Adam prefere deixar-se levar pela situação; afinal, conviveu com ambos apenas até a pré-adolescência e possui lembranças relativamente escassas (porém não menos intensas) do tempo que passou com eles. E assim, nos cerca de cem minutos que se seguem, a produção nos leva a acompanhar a vida do personagem, intercalando as passagens em que tenta recuperar o tempo perdido com sua família, e o relacionamento que passa a desenvolver com Harry.

Desde cedo, fica nítido que Adam é um sujeito não apenas solitário, mas atormentado pela solidão, cujas origens também estão relacionadas à perda dos pais. Assim, é tocante constatar como os encontros, imaginários ou não, despertam toda sorte de cenários possíveis em sua cabeça. Sua vida teria sido melhor com eles por perto? Como eles teriam reagido à descoberta de sua orientação sexual? Talvez isso piorasse as coisas? Talvez aliviasse? São dúvidas para as quais jamais terá respostas, podendo apenas imaginá-las. Nós mesmos, enquanto espectadores, não sabemos ao certo se o que ele está procurando – ou desejando – saber é se sua vida seria menos solitária caso pai e mãe estivessem vivos ou se, pelo contrário, seria ainda mais. De um jeito ou de outro, pelo lamento ou pelo alívio, não é fácil enxergar um desfecho que seja satisfatório.

Naturalmente, para uma história que deposita tanto do seu desenvolvimento nas reações dos personagens, torna-se fundamental o desempenho do elenco para que a proposta seja bem-sucedida, e Scott não desperdiça a oportunidade de exibir mais uma vez seu talento. Pegando emprestadas algumas características de seu personagem em Orgulho e Esperança (2014), o ator estabelece Adam como alguém extremamente seguro de si e carente de cuidados na mesma proporção. Já Bell e Foy são críveis na composição do casal que, ao mesmo tempo, ama e desconhece o filho crescido. Fechando o quadro, Mescal faz de Harry uma figura cujos tormentos próprios nunca se sobrepõem à generosidade que oferece ao parceiro, cuja explicação fica evidente no final do filme.

Mas não é apenas em sua temática que o filme se destaca, de modo que certos aspectos técnicos e narrativos também contribuem para sua execução, como as tomadas mais fechadas que o diretor Andrew Hang emprega em diversas cenas envolvendo Adam e Harry, ressaltando a intimidade e a cumplicidade existente entre os dois. Já outros instantes são menos sutis, como o que traz os protagonistas despidos enquanto conversam e compartilham suas vulnerabilidades, ou quando a música Death of a Party, do Blur, é inserida, mas nada que o comprometa demais.

No fim das contas, de maneira simples e eficiente, e auxiliado por um bom elenco entrosado, Todos Nós Desconhecidos é um ensaio sobre a solidão e seus efeitos a médio e longo prazo. Um alerta para não subestimarmos seu poder não apenas de influenciar nossas relações, mas também de ajudar a moldar quem nos tornamos, para o bem ou para o mal.