Nota do filme:
Assistir a The Death and Life of John F. Donovan se torna uma experiência mais acessível quando se está habituado à filmografia de Xavier Dolan, excelente cineasta que, com seus meros trinta anos já possui um impressionante currículo recheado de ótimos trabalhos (não custa lembrar que, aos vinte, já era celebrado em Cannes). No entanto, por mais elogiosas que as palavras acima soem, o fato é que a observação que inicia este texto consiste em um problema: todo filme deve funcionar por conta própria e, uma vez que condições externas são necessárias para que a obra fique mais palpável (como, por exemplo, estar familiarizado com a carreira de seu criador), algo acabou não sendo bem sucedido no processo.
Contada a partir de uma ordem que justifica seu título, a história é dividida em três frentes: o jovem Rupert Turner (Jacob Tremblay) e seu fanatismo pelo ator John F. Donovan (Kit Harrington); a versão adulta de Rupert (Ben Schnetzer), que relata à cética jornalista Audrey Newhouse (Thandie Newton) a troca de correspondências que mantinha com o astro quando garoto e a vida do próprio Donovan, que toma um rumo turbulento quando a imprensa descobre as cartas na mesma época em que sua homossexualidade se transforma em alvo dos tabloides.
Se solidificando no que se costuma chamar de “Cinema de Autor”, Dolan volta a empregar escolhas narrativas e estéticas que se tornaram suas marcas registradas. Assim, temos a praticamente obrigatória relação conturbada entre mãe e filho. No caso, mães e filhos, nas figuras de Sam Turner (Natalie Portman) e Grace Donovan (Susan Sarandon). Também há o emprego de cores e músicas que tornam o diretor um realizador que não sente nenhuma vergonha em flertar com o brega – e o fato de ele abraçar essa decisão, reconhecendo-a e sem medo de ser feliz, lhe confere pontos pela autenticidade.
Demais aspectos da direção, por sua vez, atestam que o canadense vem evoluindo e adquirindo uma maturidade que já nem pode mais ser chamada de promissora. Tomemos, por exemplo, a luz vermelha que toma conta de um jantar potencialmente tenso na casa de Grace, pontuando um alerta de que aquela situação deve sair do controle. Na mesma cena, Donovan é filmado em um ângulo inclinado, diferente dos demais, ressaltando seu desconforto no momento. Outra opção interessante são as tomadas aéreas da cidade, que, mostrando diferentes climas, dão indícios do que se passará a seguir na vida dos personagens. Mas talvez o ponto alto seja a cena em que a versão jovem de Rupert, ao ver certa entrevista na televisão, está cercada de uma poeira flutuante que, destacada pela luz, funciona como uma elegante metáfora de seus sonhos sendo despedaçados.
Outros detalhes também contribuem para enriquecer a narrativa, como o quarto do garoto, que parece um pequeno templo dedicado ao ídolo, e a letra verde utilizada nas cartas que chegam a Rupert. Por vezes associada à ideia de algo vilanesco, a cor é bem empregada, já que uma criança se correspondendo regularmente com um adulto desconhecido gera evidentes preocupações.
Porém, há alguns elementos que tornam o longa menos eficiente: a montagem é por vezes irregular e acelerada demais; o roteiro não desenvolve bem algumas questões que se propõe a abordar, sobre a fama e a natureza do artista; certos “números musicais”, que funcionaram muito bem em Laurence Anyways e Mommy, aqui são pouco inspirados e, por fim, o terceiro ato não deixa muito espaço para uma espécie de dúvida que parecia ter sido criada intencionalmente, isto é, até que ponto a narrativa de Rupert é confiável.
De todo modo, The Death and Life of John F. Donovan passa longe de ser um escorregão, embora seja, com tranquilidade, o prato menos digerível do cardápio do brilhante chef Dolan.
Historiador que acredita que a vida fica mais fácil quando vamos ao cinema.
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