Crítica | Raya e o Último Dragão (Raya and the Last Dragon) [2021]

Nota do filme:

O Cinema, naturalmente, tende a refletir as mudanças sociais advindas com o tempo, e muitos filmes servem como um registro do momento em que são produzidos. Nesse sentido, os estúdios Disney oferecem emblemáticos exemplos de tais transformações, e é possível observar o desenvolvimento de suas personagens femininas ao longo das décadas. De personagens passivas que, invariavelmente, nunca estariam completas sem a companhia de um príncipe encantado, elas passaram cada vez mais a serem donas das próprias histórias e autossuficientes, com Merida, Elsa e Moana puxando a fila mais recente. Pois bem; em Raya e o Último Dragão a empresa segue no mesmo caminho, adicionando à lista de princesas uma nova integrante que vai ao encontro do mundo contemporâneo.

Na trama, somos apresentados ao universo de Kumandra, uma terra ocupada por cinco povos diferentes (Cauda, Garra, Espinha, Coração e Presa) que, em função de trágicos eventos passados, vivem em constante clima de hostilidade ao mesmo tempo que são ameaçados por entidades malignas denominadas Druun. Após ver sua casa ser destruída em meio aos conflitos, a protagonista (Kelly Marie Tran), moradora de Coração, parte em uma busca para reaver a ordem e desfazer as maldições, contando com o auxílio de Sisu (Awkwafina) e demais parcerias que vai conhecendo no caminho.  

Proativa, carismática, destemida e generosa, a personagem-título é uma jovem cheia de energia cujo entusiasmo divide espaço com a compreensão das limitações que possui, de modo que não nos deparamos com uma heroína invencível, tornando sua composição mais verossímil e identificável. Também vale menção o fato de que o longa – e tomara que isso se torne uma tendência –, não dedica tempo algum para forçar um interesse amoroso, assim como não vê necessidade sequer de comentar que ela não precisa de um, deixando que percebamos isso naturalmente (embora haja, sim, uma breve insinuação sobre a orientação sexual de Raya, e se você tiver algum problema com isso: cresça, estamos em 2021).

A criação de Kumandra é um dos pontos altos da produção, com as cinco regiões permanecendo bem definidas, seja pelas paisagens, seja pelos traços de seus habitantes, sendo uma pena passarmos pouco tempo em cada uma delas. Já o visual dos Druun é pouco inspirado e genérico, apesar da adequada cor roxa. Quanto às cenas de ação, mais especificamente as que envolvem combates entre dois ou mais personagens, são muito bem filmadas, e assim nunca perdemos o foco do que é mostrado em tela.

Quando conferimos os créditos de Raya…, constatamos que são oito (!) nomes responsáveis pelo roteiro, o que geralmente causa problemas, e isso se concretiza no começo irregular da animação, com uma quantidade enorme de informações que chega a ser difícil acompanhá-las. Por outro lado, o enredo parece tratar de temáticas que vão além da fantasia, permitindo a conjectura de subtextos atuais na história, sendo possível enxergar a urgência dos cinco povos de Kumandra em combater um perigo que causa seca no que vê pela frente como uma representação da necessidade dos cinco continentes trabalharem em conjunto no enfrentamento das mudanças climáticas.

Com um eficiente equilíbrio entre humor e seriedade, Raya e o último Dragão não chega a causar o mesmo impacto (visual e narrativo) de filmes como Frozen e Moana, mas introduz uma personagem (e como é bom ver Kelly Marie Tran, perseguida por ser uma mulher asiática em Os Últimos Jedi, nesse papel de destaque) igualmente interessante ao seu clássico rol de protagonistas.