Crítica | Pecadores (Sinners) [2025]

Nota do Filme:

“Sabe de uma coisa? Acho que uma vez por semana eu acordo paralisado, revivendo aquela noite. Mas, antes do pôr do sol, acho que aquele foi o melhor dia da minha vida.”

Sammie

Pecadores acompanha o retorno dos irmãos gêmeos Smoke e Stack (ambos interpretados por Michael B. Jordan) à sua cidade natal, para recomeçar suas vidas do zero. Empreendedores, abrem um juke joint[1], a serregado com muito blues, motivo pelo qual recrutam, dentre outros, seu pequeno primo Sammie (Miles Caton), um músico com talentos, aparentemente, sobrenaturais. Ocorre que a sua música acaba por atrair um mal secular, personificado na figura de Remmick (Jack O’Connell).

Não é segredo a ninguém que Ryan Coogler, diretor, tem uma (excelente) parceria com Michael B. Jordan, consagrada em obras como Fruitvale Station, Creed, Pantera Negra. Para além de todos os elementos deste filme – e são muitos –, este talvez seja o maior atrativo, ao menos inicialmente. Todavia, aqui o trabalho vai além de uma mera parceria.

Pecadores conta com um grande trabalho histórico-cultural, de modo a engajar com a sua audiência, sobretudo americana. Isto porque em momento algum explica o contexto no qual está inserido, limitando-se a apontar a data – 1932 – e a mencionar, en passant, a figura de Al Capone.

Temos, então, um filme que se passa durante (i) a segregação racial americana; (ii) a Proibição[2]; e (iii) com forte atuação da Ku Klux Klan. São fatores que, sim, regionalizam a obra, mais focada no mercado doméstico, mas que também não são grandes o bastante para que estrangeiros não consigam, por mera interpretação contextual, entender o que se passa em tela.

Feita esta (não tão) pequena contextualização, passemos ao filme. A dupla principal, bem identificada por seus chapéus azul e vermelho, são uma boa representação do arquétipo do oni vermelho, oni azul, sendo Smoke o mais calmo e racional dos irmãos, enquanto o lado emotivo e apaixonado de Stack é mais proeminente. Outros personagens de destaque, como Sammie e Mary (Hailee Steinfeld) são rapidamente introduzidos, mas brilham de fato na noite de inauguração do juke joint dos irmãos, o Club Juke.

Enquanto acompanhamos Smoke e Stack reunirem todas as peças necessárias para a inauguração da sua casa noturna, Pecadores se utiliza da sua conjuntura histórico-racial para, lentamente, construir tensão. Uma das formas de Coogler fazê-lo é entrelaçar diversos tipos de crenças espirituais, como vodu, cristianismo, crenças nativo-americanas e, também, o blues, que aqui, funciona como condutor do sobrenatural.

Justamente por isso temos em Sammie, o personagem mais dividido em sua espiritualidade, a habilidade de fazer com que o blues transcenda o véu da realidade, o que, inadvertidamente, acaba por atrair o mal que é Remmick. Com a chegada dele ao Club Juke, vemos os maiores elementos de terror da obra, quando o vampirismo é demonstrado de forma mais brutal e sanguinária.

O mito vampírico é imenso e mutável, de modo que cada recontagem conta com as suas próprias regras. Coogler tem ciência disso, e opta por simplicidade, mas com uma certa liberalidade. Em Pecadores, alhos e estacas de madeira funcionam como forma de machucar/matar vampiros, tal qual a luz do sol. O aspecto mais “único” aqui é que os vampiros possuem uma espécie de mente grupal (hive mind), de modo que, a cada pessoa transformada, os vilões adquirem mais conhecimento sobre o restante.

Este conhecimento é útil para atrair e provocar os sobreviventes, porque, aqui, os vampiros precisam ser convidados para entrar em residências. Trata-se de um aspecto pouco utilizado nas retratações recentes de vampiros para o cinema, mas, é algo que acrescenta, e muito, ao terror psicológico que os antagonistas trazem.

É possível, inclusive, interpretar a sua inclusão como uma referência à nacionalidade de Remmick, pois, ser convidado a entrar na casa de alguém na Irlanda é considerado um privilégio. Nessa seara, é interessante notar como a relação de Remmick com o cristianismo também dialoga com acontecimentos reais, tornando claras as suas motivações para querer o dom de Sammie, mas, também, reforçando o caráter histórico-cultural da obra.

Ao final, tem-se uma verdadeira luta por sobrevivência, na qual crenças e religiosidades distintas se digladiam. A resolução desse embate, como não poderia deixar de ser em um longa do gênero, mostra um protagonista profundamente alterado, em dúvida sobre aquilo no que, de fato, crê.

Sendo assim, Pecadores se mostra um filme com um roteiro interessante e recheado de significados, que é perfeitamente complementado pelas grandes performances e excelentes escolhas do diretor. Cita-se, especificamente, o momento de revelação do dom de Sammie, em uma das cenas mais memoráveis dos últimos anos. Decerto se sedimenta, desde já, como um dos grandes lançamentos de 2025.


[1] Um pequeno estabelecimento informal de música, dança, jogos e bebidas, operados sobretudo por afro-americanos.

[2] Período no qual a fabricação, transporte e venda de bebidas alcoólicas para consumo foram banidas dos Estados Unidos.