Nota do Filme :
Os filmes são sonhos que você nunca esquece.
É emocionante quando, pouco antes da exibição de Os Fabelmans, Spielberg aparece na tela para dizer que este é, sem dúvidas, seu trabalho mais pessoal. Os fãs sabem como a curiosidade já o levou a contar histórias extraordinárias ao longo de sua carreira, que abrange desde a ficção científica e criaturas fantásticas, até relatos de guerra, histórias reais e mais um sem número de empreitadas. Por isso é tão emocionante vê-lo antes de Os Fabelmans: a história que ele tanto guardou por quase 60 anos é, na verdade, sua própria história e a importância disso é sentida quase que imediatamente. As memórias de Spielberg são uma hipnotizante ode ao cinema e a toda a magia que envolve a arte na qual ele é, sem dúvidas, um verdadeiro mestre.
A trama de Fabelmans começa quando os pais do pequeno Sam (o maravilhoso Mateo Zoryon) o levam ao cinema pela primeira vez para assistir O Maior Show da Terra (1952), de Cecil B. DeMille. O garoto fica tão fascinado pela cena de acidente entre um carro e um trem que decide reproduzi-la com seus brinquedos e filmar para que possa assistir de novo e de novo. É nesse momento que Sam começa a entender a capacidade que o cinema tem de provocar incontáveis sentimentos nas pessoas, e daí por diante sua obsessão por criar e aperfeiçoar técnicas só cresce. Conforme os anos passam, o cinema deixa de ser hobby e se torna a paixão que seguirá com ele por toda a vida.
A magia que parece quase palpável em Os Fabelmans só é possível graças a um criador absolutamente apaixonado pela arte que tanto reverencia. O amor pelas lembranças que remontam à época é sentido em cada mínimo aspecto do filme e, conforme as adentramos, criamos um laço profundo, nos sentimos ainda mais íntimos por conhecer de onde vem a paixão pela arte de um realizador que provocou o imaginário de tantas pessoas da forma como ele provocou. Ao fazer isso, Spielberg não só compartilha lembranças, mas toca profundamente o coração de cada espectador que já se emocionou verdadeiramente numa sala de cinema.
É delicioso ver a maneira quase compulsiva com que Sam busca materializar suas ideias em histórias criativas e cheias de vida. Ele não precisa de equipamentos caros, basta a imaginação e alguns truques para produzir efeitos que levam sua família e amigos ao delírio. Já para nós, o efeito é o mesmo, porém com a vantagem de nos lembrar que, como arte, o cinema nos toca não pela modernidade de suas ferramentas, mas pela maneira com que consegue nos contar uma boa história. Nosso encantamento vem da nostalgia que é ver um garoto apaixonado pela mesma arte que nos faz correr para a tela grande sempre que queremos ser verdadeiramente emocionados. É por isso que Os Fabelmans não é apenas um filme sobre as memórias de Steven Spielberg, mas também uma das melhores cartas de amor ao cinema que você vai assistir.
Tudo no longa é feito para causar uma sensação de magia no espectador, cada aspecto técnico é pensado para encantar e o resultado é impressionante. Spielberg, que há pouco passou por uma fase de produções mornas, vem de um trabalho espetacular com o remake de Amor, Sublime Amor (2021) – uma de suas histórias favoritas – e agora volta para nos arrebatar mais uma vez. Sua direção é cuidadosa e cheia de significado, e em conjunto com a bela fotografia de Janusz Kaminski, cria um universo particular que ultrapassa os limites da simples cinebiografia. Design de produção e figurino são usados para recriar de forma sutil, mas poderosa os lugares onde o diretor cresceu e a figura de seus pais, tão importantes para ele.
Essa importância fica clara no recorte escolhido para a história, que mostra como a presença deles, mesmo que às vezes conturbada, foi significativa para sua carreira no cinema. Enquanto a mãe, Mitzi (Michelle Williams), é pianista e incentiva plenamente a paixão do filho, o pai, Burt (Paul Dano), é engenheiro e acha ele deve fazer algo prático e útil para a sociedade. São duas visões antagônicas que fazem um paralelo interessante, mas, felizmente, o roteiro não está preocupado em fazer deste o foco da narrativa. Cuidadosamente construído por Tony Kushner e pelo próprio Spielberg, ele prefere acompanhar o dia a dia da família e mostrar momentos-chave para o amadurecimento de Sam e de sua maneira de fazer filmes.
Apesar de abordar situações complicadas, o roteiro é leve e tão bem-desenvolvido que as quase três horas de duração se tornam uma viagem prazerosa e divertida. Outro aspecto que chama atenção é a trilha sonora, composta pelo mestre e colaborador de longa data John Williams. Suas composições são responsáveis por grande parte da magia que assistimos em Os Fabelmans. O trabalho de Williams, aqui, é tão especial que remete a outras trilhas célebres compostas para Spielberg, como a de E.T. O Extraterrestre (1982), não necessariamente pelo fato de ser memorável (até porque isso só o tempo dirá), mas por envolver a narrativa de tal forma que fica impossível separar uma da outra.
As atuações de Michelle Williams e Paul Dano estão sensacionais, não apenas pelo inegável talento da dupla, mas também porque seus papéis são complexos o suficiente para que possam explorá-los com propriedade. Outro destaque é o desempenho de Gabriel LaBelle, ainda em começo de carreira, mas, certamente, um nome muito promissor. Como o criativo e retraído jovem Sam, ele consegue ganhar a simpatia de todos e ainda demonstrar força e determinação sempre que preciso. Não é mera coincidência que, em algumas cenas, ele se pareça tanto com o jovem Spielberg.
Nestes momentos, mas também logo no início quando o próprio diretor aparece na tela, fica claro que Os Fabelmans é um filme importante, para Spielberg, para o cinema e até nós mesmos. Ele fala de sentimentos tão profundos aos amantes de cinema que fica impossível não achar que a máxima de Mitzi, “os filmes são sonhos que você nunca esquece”, não deixa de valer também para o próprio filme que estamos assistindo.
Jornalista viciada em recomendar filmes e revisora de textos recifense que vive escrevendo sobre cinema nas horas vagas.