A memória é algo que confunde, às vezes ela é cruel, fazendo as pessoas se lembrarem de coisas que querem esquecer, dessa forma gerando tristeza, raiva e arrependimentos. Por outro lado, lembranças também podem ser boas, deixando em cada um de nós amor, felicidade, carinho, e nos dando coragem para futuras situações.
Se tem algo que o novo filme de Selton Mello, “O Filme da Minha Vida”, retrata, são as memórias, são as sensações passadas, isso tudo dentro de um panorama inteligente e que faz diversas referências a vários filmes, diretores e obras passadas do cinema.
Baseado no livro “Um Pai de Cinema” de Antonio Skármeta, a obra conta a história de Tony Terranova (Johnny Massaro), que saiu de sua cidade natal chamada Remanso, para estudar na cidade grande, deixando o pai Nicolas (Vincent Cassel) e a mãe Sofia (Ondina Clais), assim como o amigo da família Paco (Selton Mello). O jovem decide voltar para a cidade depois de formado, justamente para ver o pai, que foi embora para França. Então, Tony se torna professor na escola local, e se apaixona por Luna (Bruna Linzmeyer) e também pela sua irmã Petra (Bia Arantes).
O filme é muito inteligente em falar de lembranças e em evocar momentos usando a montagem, que faz passagens elegantíssimas entre passado e futuro, através de pequenas rimas visuais, por exemplo, enquanto Nicolas ensina Tony a andar de bicicleta, e enquanto vemos a alegria do pai, ao ver que o menino aprendeu, passamos a ver Tony, já adulto, andando de bicicleta, indo ao trabalho. Se, na lembrança, a cena é clara, com o amarelo, bege e laranja, no presente, os tons predominantes são o preto e o cinza, que representam a saudade que Tony tem do pai.
A montagem na grande maioria das cenas do filme inicia em plano geral e termina em primeiro plano, de forma que o drama e a empatia são intensificados dessa forma para o espectador. E, junto com isso, está a fotografia que faz o uso de cores claras e fortes (já destacadas no paragrafo acima), e no meio desses tons de destaque, há o vermelho, que aparece discretamente, seja no chapéu, em roupas ou em maquiagem que as personagens de Linzmeyer e Arantes usam, seja no ambiente onde ocorrem os fatos, em uma porta, em um objeto, isso mostra que o amor que a cor vermelha representa, está sempre presente em cada personagem do filme.
E claro que a fotografia tem um tom nostálgico, mas não é aquele sentimento ruim, é aquela memoria boa, que claro, contem a saudade, mas acima tudo contem o afeto, sensação essa que está presente nas diversas primeiras experiências e descobertas que o filme mostra, felicidade que está na perspicácia de um design de produção que recria uma época de forma perfeita, saudade que está na mãe que ao ver o filho crescer sente medo, medo de perdê-lo e de vê-lo partir novamente.
E, se Ondina Clais evoca com profundo sentimento a felicidade de ter o filho ali, perto dela, ao mesmo tempo em que percebe a possibilidade de um distanciamento, Johnny Massaro, como Tony, carrega ingenuidade no olhar, suavidade, e vontade de crescer e amar, além da dúvida de não saber de quem gosta, se de Luna (Linzmeyer) ou de Petra (Arantes), as duas irmãs no filme, são completamente diferentes uma da outra, se Luna é ingênua e doce como Tony e ainda assim tem uma maturidade que o protagonista não tem, Petra é segura, forte, e sabe tudo aquilo que causa nos homens.
Vincent Cassel cria em seu personagem um homem cheio de inseguranças, apesar de parecer altamente seguro de si, com suas risadas altas e jeito altivo de andar, Selton Mello como Paco é o “vilão” que o filme necessita, sendo um homem grosseiro, o ator e diretor é inteligente em adotar como visual a barba e a voz grossa, justamente o que o personagem precisa. Rolando Boldrin, interpreta outro personagem necessário para a narrativa, com a sua habitual competência. Todo o elenco sabe justamente o que fazer e do que os seus personagens são capazes.
Não poderia deixar de citar o trem, que inicia o filme chegando à cidade e termina o filme saindo dela, o que é um símbolo belo de como o desenvolvimento das diversas narrativas foi fechado, e a confirmação da evolução de todos os retratados ali.
Em dado momento da projeção, o personagem de Vincent Cassel diz sobre o cinema “Eu gosto quando as luzes se acendem e passa as imagens naquela tela grande”. Essa fala pode ser considerada um resumo da obra, pois o filme também é sobre o cinema e da sensação que o cinema gera nas pessoas, o cinema é para todo mundo e a obra é bem sucedida ao dizer isso.
Então, “O Filme da Minha Vida”, é sobre memorias e sobre cinema, e acima de tudo, de como o cinema pode deixar memorias diferentes em cada um de nós. A saudade não precisa ser dolorosa, ela pode ser doce como Tony, como Sofia, como Luna e como cada um de nós, espectadores desse belo filme.
Formado em Jornalismo e apaixonado por cinema desde pequeno, decido fazer dele uma profissão quando assisti pela primeira vez a trilogia “O Poderoso Chefão” do Coppola. Meu diretor preferido é Ingmar Bergman, minhas críticas saem regularmente aqui e no assimfalouvictor.com