Crítica | O Cheiro do Ralo (2006)

Imagem: Divulgação

Lourenço Mutarelli, personagem de Selton Mello em “O Cheiro do Ralo” diz, em determinado momento do filme: “O Poder é Afrodisíaco”. Essa frase resume muito bem toda uma sociedade, que quando tem o mínimo resquício de poder, se sente extasiada, translucida, como se fosse o dono do universo.

Mas, é aí que está o impasse, não existe um “dono do universo”, pela jornada de Lourenço durante o filme percebemos isso e mesmo que no fim as coisas tenham dado mais ou menos certo para o personagem, não significa que ele aprendeu a lição e mudou, até porque, o cheiro do ralo ainda estava impregnado na loja de penhores administrada por ele.

Dirigido por Heitor Dhalia, acompanhamos a saga do personagem brevemente descrito acima, dono de uma loja de penhores, ele usa de seu poder, principalmente o financeiro, para ganhar a vida em cima dos clientes e manipular todas as pessoas ao seu redor, até que conhece uma garçonete, interpretada por Paula Braun, pela qual se apaixona.

E mesmo assim, “apaixonado” (entre aspas porque ele não se apaixonou exatamente por ela), ele usa de manipulação para tentar conquistar a moça, talvez isso se deva pelo sentimento de carência, nutrido por ele pela ausência do pai, ou apenas graças ao cheiro do ralo, que domina sua vida inteiramente.

Pois apesar de se dizer incomodado com o cheiro, constantemente reforçando esse sentimento para os clientes (que o sentem), ele é viciado no odor, pois este – e por isso (imagino eu), que o titulo desse filme seja “O Cheiro do Ralo” – é um elemento que serve como metáfora para o poder, isso explica o porque de ele nunca querer arrumar da maneira devida o ralo e de querer disfarçar o cheiro com falas do tipo “Esse cheiro não é meu, eu to com um probleminha no ralo”.

Ele não “tá” com um probleminha no ralo, ele está viciado no poder que ele absorve graças ao “probleminha”, isso fica claro por alguns motivos, o citado acima de ele não desejar arrumar, o de ele usar o ralo para as compras das quinquilharias vendidas na loja e claro, pelo inerente vicio dele em sexo, manipulação e objetificação de pessoas.

É devido a essa objetificação, que o único personagem em toda projeção que tem um nome próprio é Lourenço, os outros são sempre representados por tipos como: O Segurança, A Garçonete, A Outra Garçonete, A Secretária, A Viciada e assim segue. Além disso, como foi possível reparar, a maioria dos personagens, com exceção de Mutarelli, são mulheres, já que, para o dono da loja, as mulheres representam algo que ele precisa, mas que consegue objetificar com facilidade.

Ele sabe que é errado esse tipo de atitude, tem pleno conhecimento de que a sociedade – ou ao menos a grande maioria desta – acha isso errado, porém ele ainda assim o faz, porque? Ele gosta, ele gosta de ser um uma pessoa deplorável, pois isso lhe dá o poder que tanto cobiça e o afrodisíaco que tanto procura e alimenta a carência familiar, tanto a do pai, quanto a de alguma pessoa para dividir algo.

Claro, ele queria que o ralo fosse essa “pessoa” e talvez seja esse o motivo dele o cheirar com avidez em certas cenas, avidez que Selton Mello consegue passar com maestria. Lourenço é um personagem feroz, implacável, graças a Selton é possível notar isso pelo olhar e até mesmo pela postura, pois apesar de ser meio encurvada, a aparência de pessoa tímida é apenas mais uma ferramenta utilizada pelo protagonista para sua manipulação constante de pessoas.

“O Cheiro do Ralo” é um filme muito perspicaz, por dois motivos específicos, o ator principal, como esse consegue perfeitamente passar o vicio em poder do seu personagem e pelas relações de poder expostas na projeção, que infelizmente, não são apenas similares a atualidade, mas são exatamente iguais ao nosso tempo, apenas de forma um pouco mais adaptada, assim como o banheiro de Lourenço.