Crítica | O Auto da Compadecida 2 [2024]

Fazer uma sequência nunca é uma tarefa fácil, especialmente quando se trata de um clássico tão amado. O desafio é ainda maior quando o filme original tem o status de uma verdadeira obra-prima do cinema nacional. O Auto da Compadecida, lançado nos anos 2000, se tornou um marco da cultura não apenas nordestina, mas nacional, conquistando o coração até mesmo das novas gerações. E, com esse peso, o filme que chega agora aos cinemas, O Auto da Compadecida 2, tem uma missão delicada: não ultrapassar o original, mas reverenciá-lo. E é justamente essa proposta que o diretor Guel Arraes adota.

A adaptação de O Auto da Compadecida para o cinema, baseada na obra de Ariano Suassuna, misturava comédia, drama e uma pitada de crítica social de forma única. João Grilo e Chicó, vividos grandiosamente por Matheus Nachtergaele e Selton Mello, vivem uma série de situações improváveis, que os levam até o céu e o inferno, misturando humor e a crítica social. A obra é até hoje um sucesso e se tornou um verdadeiro ícone da cinematografia brasileira.

Agora, 24 anos depois, temos o reencontro com esses dois personagens. A grande questão que surgiu quando foi anunciado, é se ele era realmente necessário. Em termos de narrativa, O Auto da Compadecida 2 não traz grandes inovações; não há uma continuidade que fosse, de fato, esperada. Mas será que isso importa? Aqui, talvez não. O primeiro filme é completo em si mesmo, mas não podemos negar que é extremamente agradável rever João Grilo e Chicó em ação. É como reencontrar velhos amigos com quem não se fala há muito tempo — algo que traz um sentimento nostálgico e reconfortante. Esse retorno ao universo de Suassuna é, sem dúvidas, um presente para os fãs da obra, que podem reviver a magia do primeiro filme, agora de uma maneira talvez mais amadurecida.

O que se espera do filme, então, não é um novo marco, mas a sensação confortável de reviver uma história que, mesmo não precisando de uma sequência, nunca perde o seu valor.

Um dos aspectos mais interessantes em O Auto da Compadecida 2 é a sua estética. Diferente do primeiro filme, o novo longa adota uma abordagem mais teatral, com cenários e iluminação que remetem ao palco. Essa escolha visual, com uma direção de arte que parece ter saído de um teatro, é uma forma clara de homenagear a obra original, que nasceu para o palco, e é uma das qualidades que o filme oferece, não só como um produto cinematográfico, mas como uma celebração da cultura nordestina e do teatro popular.

Essa decisão, além de interessante, traz uma identidade própria para o filme. A sensação de que estamos vendo uma peça em vez de um filme é um detalhe que, embora sutil, enriquece a experiência e nos conecta ainda mais com as origens da obra de Suassuna.

No entanto, nem tudo funciona como deveria. A inclusão de novos personagens tem a intenção de dar mais vida à história, mas, infelizmente, eles não são bem desenvolvidos e acabam não trazendo grande impacto. Eles aparecem e desaparecem sem realmente contribuir para a trama, o que enfraquece a história. Felizmente, o foco continua sendo em João Grilo e Chicó, mas a falta de mais cuidado com esses novos personagens poderia ter sido evitada.

Além disso, é impossível não sentir a falta de Ariano Suassuna. Mesmo com o esforço de Guel Arraes e toda a equipe para manter o espírito da obra, sem o criador, o filme perde um pouco da profundidade. Ariano Suassuna sempre sabia como dar um olhar crítico e ao mesmo tempo muito humano às suas histórias. Sem ele, o filme acaba se tornando um pouco mais superficial, o que faz com que a comparação com o original se torne inevitável.

Em resumo, O Auto da Compadecida 2 não é uma sequência que realmente se mostrava necessária, mas é uma forma respeitosa de homenagear um dos maiores clássicos do cinema brasileiro. Guel Arraes, Selton Mello e Matheus Nachtergaele se esforçam para manter viva a essência da obra de Suassuna. Claro, em alguns momentos, a falta de novidades e profundidade nas tramas fazem com que o filme não alcance o mesmo impacto. Porém, para os fãs da primeira produção, é uma visita carinhosa a um passado que, embora não precise ser revisitado, sempre será bem-vinda.

Afinal, nem todo filme precisa ser uma revolução para ser apreciado — e O Auto da Compadecida 2 mostra que, às vezes, o que mais importa é nos fazer sentir um pouco da magia que nos tocou lá atrás.

Eu, pelo menos, senti.

Nota do filme: