Nota do filme:
Neste dia dos namorados de 2021 resolvi trazer um filme real, lindo e dos mais honestos que já vi sobre relacionamentos longos. Inclusive, a tradução para o português já pegou muitos desavisados com o título aparentemente romântico, e aqui parafraseio 500 Dias com Ela para dizer que “Essa é a história do garoto que conhece a garota. Mas, você deve saber, que não é uma história de amor”.
Em uma exposição não-linear, conhecemos a história de Dean Pereira (Ryan Gosling), um faz-tudo sem muitas ambições profissionais na vida, que é casado com Cindy Heller (Michelle Williams), uma enfermeira frustrada e mal-humorada, que claramente tinha ambições na vida quando mais nova, e se ressente por não as ter realizado.
Conhecemos o casal em seu declínio, com Cindy reclamando da falta de iniciativa profissional de Dean, que, por sua vez, tenta demonstrar que o que eles têm é mais do que suficiente, e que ele é muito feliz com ela e a filha do casal. As brigas entre os dois demonstram que ali já não há mais tanto amor por parte dela, e, justamente quando já estamos sem esperanças, o diretor Derek Cianfrance nos arrebata com o início de tudo, com a bela história de dois jovens que se conheceram em um dia, por acaso, em uma casa de repouso.
Cindy era uma linda jovem, estudante de medicina, que morava com seus pais e tinha um relacionamento sério com seu colega de classe, Bobby (Mike Vogel). Os pais de Cindy eram casados e tinham um relacionamento abusivo, onde a mãe da jovem sofria com os abusos psicológicos constantes do marido, mas nunca fazia nada para sair desta situação, aguentando tudo sempre de cabeça baixa, e ensinando a filha a fazer o mesmo. Bobby, por sua vez, não tratava Cindy com o respeito que ela merecia, e a garota caminhava para o mesmo destino da mãe.
Dean era um jovem cheio de vida e que havia acabado de conseguir um emprego em uma empresa de mudanças como carregador. A rotina de Dean era animada, já que cada dia conhecia uma casa, uma vida diferente, e tratava cada uma delas com todo o cuidado que merecia. Em uma de suas mudanças, Dean levou os pertences de um senhor que teve que deixar sua casa para ser acomodado em uma casa de repouso, e ele fez questão de arranjar todos os pertences do homem, que claramente teve muitas conquistas ao longo da vida, mas agora precisava de cuidados especiais. O cuidado que ele tem é algo fora do comum, que o destaca dos demais e o torna um sujeito especial.
Em uma de suas andanças pelos corredores do asilo, Dean vê Cindy cuidando de uma senhora (que depois descobrimos ser sua avó) em um quarto do outro lado do corredor. O amor com que Cindy cuida de sua avó lembra muito o cuidado que Dean dedicou ao senhor que ajudou na mudança, e é inevitável pensarmos em como os dois poderiam se dar bem. Então, ele não hesita e vai até o outro lado do corredor, para tentar um contato com a bela jovem que o encantou imediatamente. Cindy tenta se desvencilhar de Dean, mas, eventualmente, os dois começam a se encontrar e o amor aflora, de uma forma não tão natural, mas muito real.
Essa queda e ascensão do amor dos dois nos faz pensar em qual momento tudo deu errado, se há conserto, se havia mesmo amor ou se foi pura comodidade. A apresentação dos fatos é propositalmente misturada, para que possamos ver o lado dela, o lado dele, tudo o que foi e o que ainda permanece no momento, de modo que tudo se organize no final, mas não necessariamente se encaixe mais.
A construção da história feita pelo diretor é muito bem-feita. Derek Cianfrance deu liberdade aos atores para reagirem às provocações um do outro, para que realmente se conhecessem e criassem um laço afetivo, tanto dentro quanto fora da tela. A combinação do roteiro flexível com a expertise dos atores resultou num filme lindo e agridoce, onde amamos conhece-los e sofremos com as suas crises, sem acreditar que aqueles jovens cheios de vida e sonhos acabaram se tornando dois estranhos, sem conexão e sem amor.
Blue Valentine é uma boa pedida nessa semana para quem gosta de uma bela história com amor envolvido, mas entende que nem sempre ela acabará bem; isso faz parte da vida, e é importante entendermos que em um relacionamento as coisas não dependem só da vontade de uma pessoa, e sim de uma conexão de ideias e vontades de ambos. A vida, às vezes, nos leva para caminhos tortuosos, nos apresenta pessoas que jamais imaginaríamos conhecer e com as quais vivemos histórias incríveis, mas que não necessariamente permanecerão para sempre em nossa vida. Há a beleza nos encontros e também nos desencontros, cada qual em seu momento.
Sou muitas em uma só. Como já dizia o Gato da Alice: We’re all mad here. 🙂