Não existe uma fórmula mágica para se fazer cinema. Uma das maiores belezas da sétima arte são as infinitas possibilidades que um criador pode utilizar para concretizar o seu projeto. Partindo de filmes grandiosos, com inúmeros efeitos especiais e dublês, e passando por películas completamente independentes, filmadas apenas em uma mesma sala, com um ator e uma câmera de iPhone. Tudo isso é cinema. E não há nada de errado e nem de “mais certo” em nenhuma dessas possibilidades. Conforme dito e imortalizado pela lenda Gláuber Rocha, para se fazer um filme, “basta apenas uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.
Nascidos na Bélgica durante a década de 60, a dupla de cineastas Luc Dardenne e Jean-Pierre Dardenne parece concordar 100% com essa afirmação. Para os irmãos, não é necessário um gigantesco investimento para se contar uma boa história. Inclusive, durante uma entrevista concedida no ano de 1999 para o portal IndieWire, após ser questionado sobre os seus planos de, um dia, fazer uma grande produção, com uma verba maior e mais equipamentos, Luc afirmou que fazer filmes de baixo orçamento “é uma casa em que gostamos de viver. Filmar é como estar em casa, você tem que estar confortável a todo momento”.
Considerados com um dos maiores representantes do bom cinema europeu, os Dardenne foram responsáveis por obras excelentes, como Le Gamin Au Vélo (O Garoto de Bicicleta) (2011) e Deux jours, Une Nuit (Dois Dias, Uma Noite) (2014), filmes que inclusive os levaram a subir ao palco de Cannes para receber o troféu do Grand Prix e a premiação do júri ecumênico, respectivamente. Como se já não fosse o suficiente, outros cinco filmes da dupla – além dos dois citados anteriormente – foram indicados à Palma de Ouro, maior honraria do circuito. Porém, apenas Rosetta (1999) e L’enfant (A Criança) (2005) se sagraram vencedores.
Bruno (Jérémie Renier) e Sonia (Déborah François) formam um casal de jovens que vive em condições precárias e na dependência dos roubos cometidos pela pequena gangue do garoto. Ao dar a luz ao seu primeiro filho, Sonia deve lidar com os desafios de criar e sustentar uma criança e com a compulsividade e imaturidade de seu namorado, que quer arranjar uns trocados de todas as maneiras possíveis – mesmo que isso custe a guarda do pequeno Jimmy.
Como já é marca registrada dos diretores, toda a película é filmada com uma câmera sempre muito próxima aos personagens, em primeiro ou primeiríssimo plano. O recurso, sempre muito bem utilizado, ajuda na identificação e na imersão dos espectadores com a história. Além disso, planos sequência e a ausência de trilha sonora completam os aspectos técnicos. Assim como na vida real, conseguimos apenas escutar os diálogos e os sons de background dos ambientes visitados pela dupla.
Aqui, o que interessa a Luc e a Jean-Pierre é contar uma história sobre pessoas. Isso, claro, só é possível graças às excelentes atuações de Jérémie e Déborah, que transmitem um sentimento de união e química que acaba passando por uma carga dramática que muda completamente o rumo da história para ambos. Temos aqui um belo estudo de personagens, visto que conseguimos identificar com clareza as mudanças e os impactos das decisões nas características e crenças dos dois.
No início, a dupla é retratada como jovem, inconsequente e apaixonada. Sonia literalmente corre atrás de Bruno com o filho em seus braços – o pai não se preocupou em visitar o recém-nascido no momento em que veio ao mundo. Depois de comprar um carrinho de bebê, ambos aproveitam o tempo livre juntos para fazer sexo, brincar de pega-pega, guerra de comida e para gastar até o último centavo em coisas supérfluas e exageradas. Como toda história real, existe o momento em que coisas burocráticas tem que ser resolvidas. No caso, a certidão de nascimento do pequeno Jimmy. É aí que o rumo da vida de todos se perde. Bruno afirma que “vai levar a criança para passear” e dá um jeito de lucrar com o nascimento do filho sem o consentimento e nem a ciência da mãe.
De uma maneira muito inteligente, os Dardenne mudam o foco do filme. A partir daqui, vemos a história quase que exclusivamente pelo ponto de vista do garoto. Acompanhamos suas tentativas de consertar os seus erros, seus roubos necessários para manter a sua alimentação e a sua dura realidade de morador de rua que nutre uma relação completamente fria e distante com sua mãe. Porém, em nenhum momento devemos sentir pena ou se compadecer pelo jovem. O roteiro muito bem escrito e estruturado não nos deixa esquecer nada do que aconteceu e nem das decisões questionáveis tomadas por Bruno. Entretanto, ainda conseguimos enxergar motivos para torcer por sua recuperação. Com uma coerência absurda, a dupla de diretores – que também roteiriza e produz a obra – consegue amarrar a história em um desfecho digno de uma explosão de sentimentos – seja na tela ou fora dela.