Crítica | Kardec (2019)

Nota do Filme:

O longa é baseado no livro Kardec – A Biografia de Marcel Souto Maior e mostra a trajetória do educador francês Hypolite Leon Denizard Rivail (que posteriormente adotou o pseudônimo Allan Kardec) desde o período em que era professor, passando pela investigação dos fenômenos mediúnicos, pelo processo de codificação da doutrina espírita, até a publicação e repercussão de O Livro dos Espíritos, em que marcou a fundação do espiritismo. A princípio tão cético que nem ao ver mesas girarem no ar e ditarem, ao som de pancadas, mensagens atribuídas ao além, perde essa incredulidade. Contudo, mesmo com desconfiança resolve estudar o fenômeno, como se observa na seguinte passagem do livro em que se inspira o filme (pág. 18):

“Entrevi, naquelas aparentes futilidades, no passatempo que faziam daqueles fenômenos, qualquer coisa de sério, como a revelação de uma nova lei, que tomei a mim investigar a fundo. Havia um fato que necessariamente decorria de uma causa”.

O protagonista é um professor, homem da razão e da ciência e quando começa a questionar suas convicções é que a história inicia seu curso. Como educador, ele ensina aos alunos à maneira de John Keating (personagem de Robin Williams em Sociedade dos Poetas Mortos), envolvendo-os e motivando-os. É quando o Padre Boutin (Genézio de Barros) entra em cena, que as crianças mudam o comportamento e retomam a compostura, demonstrando medo do religioso. A intenção aqui é clara de apresentar o Padre como um homem temeroso, tornando-se, mais tarde, praticamente o vilão da história. Até a música de fundo ganha um tom ameaçador com a presença dele. É nessa falta de sutilidade, com a intenção escancarada de definir quem é o mau e o bom da história que a película começa a pecar, demonstrando contornos quase infantis à narrativa.

A Igreja Católica interveio de diversas maneiras para tentar conter o crescente avanço da doutrina espírita, cerceando inclusive o direito de liberdade à religião. Todavia, a forma como foi retratada essa invasão na propagação dos ideais espíritas foi quase como se a Igreja fosse o estereótipo do mal, beirando um maniqueísmo religioso.

Leonardo Medeiros (Hippolyte Léon Denizard Rivail/Kardec) fez um ótimo trabalho, com gestos precisos, contidos e bem executados. Por sua vez, apesar da boa atuação, Sandra Corveloni, que interpretou sua esposa Amélie-Gabrielle Boudet, só teve uma função no longa: ser a esposa. Por toda a história ficou à sombra do marido. Não teve desenvolvimento e só serviu para apoiá-lo em suas decisões.

O diretor Wagner de Assis (Nosso Lar) subestima de maneira contundente a inteligência do espectador. Cita-se a cena na qual o personagem repete um movimento com as mãos e na cena seguinte, a médium Ermance Dufaux (Louise D’Tuani), que o incorpora, repete da mesma forma. Como se já não estivesse claro o bastante, ainda retomam a cena dele fazendo o mesmo movimento contínuo para firmar que ela o está “imitando”, visto que, na verdade, é ele que está ali usando seu corpo. Tal recurso visual foi absolutamente desnecessário para compreensão do episódio (no estilo Brian de Palma – Vestida para Matar), depreciando a capacidade do espectador, no que diminui a própria obra.

A fotografia é muito bonita, o figurino não deixa a desejar e o filme conta com belos cenários muito bem construídos e cores sóbrias, num tom sépia, que permeiam toda a película. Essa seriedade na produção confere credibilidade à história e à forma como foi contada. No entanto, a trama é repleta de lugar-comum e os diálogos, apesar de bem construídos, possuem muitas “frases de efeito”, tornando-se até mesmo artificiais. A direção de arte é bela, mas não é capaz de salvar a obra.

É inegável a contribuição dos estudos do professor Kardec à doutrina espírita e a iniciativa da produção de um longa a esse respeito é muito positiva e importante para divulgar sua história, tendo em vista que conta a trajetória do grande doutrinador, que ajudou a transformar o Brasil no maior País espírita do mundo.

O filme tem estreia prevista para 16 de maio nos cinemas nacionais.