Nota do Filme:
Tendo enfrentado problemas de produção, grandes desafios na área de efeitos visuais e confessos entraves ao longo dos anos, a franquia Jurassic encerra, hoje, mais um ciclo. Não, as centenas de milhares de dólares de bilheteria não traduzem positivamente a qualidade dos filmes que pudemos conhecer durante esses trinta anos, mas o valor do legado que eles nos deixam é eterno. Quando, em 1993, Steven Spielberg aceitou a tarefa de transpor a obra de Michael Crichton para as telas, ele não apenas fez uma excelente adaptação, mas criou um imaginário coletivo fortíssimo e definitivo para criaturas que nunca foram realmente populares. Depois de Jurassic Park, dinossauros, genética e paleontologia ganharam espaço na cultura pop e a máquina de Hollywood, obviamente, não ignorou o feito.
Dessa ambiciosa ideia resultaram duas trilogias irregulares e divisoras de opinião, mas financeiramente rentáveis graças a milhares de fãs mundo a fora. É por conta deles que Jurassic se tornou uma franquia de tanto sucesso, e não pela imensa falta de foco durante boa parte da saga. Se a trilogia Jurassic Park vivia às voltas com a pressão para se igualar em qualidade ao clássico de Spielberg, Jurassic World se apropria e expande o universo com muita confiança, mas o filme de 2018 deixou dúvidas quanto a possibilidade de um futuro desfecho realmente digno. Jurassic World: Domínio chega aos cinemas nesta quinta-feira (02/06) com a promessa de ser este tal final épico que os fãs tanto esperaram, cumprindo a missão de finalizar a saga. Sobre ser digno do seu legado já é uma outra conversa.
Na nova aventura, que se passa quatro anos depois da destruição da Isla Nublar, os dinossauros se reproduzem e se espalham pelo mundo, vivendo ao lado dos seres humanos e deixando cada vez mais evidente um frágil equilíbrio entre as espécies. Claire (Bryce Dallas Howard) e Owen (Chris Pratt), os ex-funcionários do Jurassic World, agora moram na floresta e cuidam da órfã Maisie (Isabella Sermon), protegendo-a de sequestradores que querem vendê-la para ser estudada em laboratório. Enquanto isso, Ellie (Laura Dern) pede ajuda a Allan (Sam Neil) num assunto que envolve gafanhotos geneticamente modificados que estão acabando com plantações inteiras e prejudicando a alimentação de todo o país.
Não é de hoje que os filmes da saga Jurassic sofrem com problemas graves de roteiro. O mais recente exemplo é Reino Ameaçado (2018), que não se decide sobre que história quer contar e desperdiça a chance de discutir questões em torno da extinção ou sobrevivência dos dinossauros. Jurassic World: Domínio tem a chance de retomar esses temas e trazer algum peso para uma história que, aos poucos, perdeu a capacidade de ser relevante para além da ação e dos efeitos visuais. O novo filme não apenas abandona qualquer intenção de discutir a presente convivência entre seres humano e dinossauros como também inventa diversas tramas paralelas para tornar as criaturas cada vez mais coadjuvantes na própria história.
O roteiro de Domínio é uma bagunça. Com certo esforço, dá para confundir tantas ideias num mesmo filme com a ambição do estúdio de que ele fosse maior, melhor e mais épico. Mas a verdade é que nada justifica algo tão irregular, tão amador. Não existe absolutamente nenhum foco na história, que transita aos trancos e barrancos entre o núcleo de personagens novos e de personagens antigos. Já os dinossauros, agora cercados por subtramas terrivelmente desinteressantes, ficam relegados ao segundo plano, mas ainda protagonizam os poucos bons momentos do filme, aqueles em que os roteiristas lembram quem são os verdadeiros donos da história.
Em busca de um delírio visual que deixe o espectador grudado na cadeira, Domínio usa e abusa de muita ação e perseguições cada vez mais perigosas e até bem dirigidas, mas que tomam conta do longa de forma tão atordoante que nem o público aguenta. A qualidade do CGI é indiscutível, porém é difícil ignorar a sensação indigesta de tanta opulência num filme tão ruim. Não é preciso muito esforço para entender que faltou um olhar direcionado para o projeto como um todo, alguém que notasse a grande bagunça de proporções astronômicas que iria direto para os cinemas. Mas talvez o estúdio só estivesse interessado em entregar algo apenas impactante e inesquecível, e é mesmo provável que ninguém esqueça o tamanho dessa bomba.
Diante de tanto mal gosto, pode-se dizer que Domínio entretém e até carrega alguns pontos positivos, mas a que custo? Quem for aos cinemas poderá desfrutar de uma excelente experiência IMAX, sobretudo por conta de um design de som bem elaborado e cuidadoso. Uma pena não poder destacar também a trilha sonora que, de todos os filmes da trilogia Jurassic World, é o que usa de maneira menos evocativa o tema de John Williams, tentando se sustentar numa trilha original sem nenhum brilho. É importante dizer que o retorno de Colin Trevorrow à direção foi uma escolha acertada para retomar o tom menos carregado do filme de 2015, e seu trabalho aqui acaba sendo mais consistente, mas nada consegue realmente salvar o projeto.
A grande aposta da Universal foi na volta do trio protagonista de Jurassic Park e, sem dúvidas, é maravilhoso para qualquer fã poder ver personagens tão icônicos de volta a este universo. O problema é que o roteiro não sabe inseri-los na trama, forçando a barra com toda uma questão sobre gafanhotos gigantes, como se o convívio entre dinossauros e humanos já não fosse suficiente. Mesmo assim, a presença deles é o ponto mais positivo em Domínio, e ainda que Sam Neil e Jeff Goldblum retomem os papéis com propriedade, o destaque vai para a radiante Laura Dern, que tem a atuação mais cativante deste grande elefante branco.
Ao lado de participações tão ilustres, Howard e Pratt não têm muito o que fazer além de fugir de dinossauros e correr atrás de uma personagem insossa como a menina-clone de Sermon. O longa não se presta nem a desenvolver algum laço entre eles, então fica difícil ter qualquer empatia pela família. Aliás, é difícil ter empatia pelo filme como um todo. Do jeito que foi construído, Jurassic World: Domínio mal consegue se sustentar nas migalhas de nostalgia que apresenta ao espectador, que dirá num roteiro ansioso para entregar tudo, mas que acaba não entregando nada. O longa deixa evidente um grande esgotamento por parte da franquia, que não peca por falta de ideias, mas de pessoas dispostas a dar vida a todo seu potencial criativo, não apenas financeiro.
Jornalista viciada em recomendar filmes e revisora de textos recifense que vive escrevendo sobre cinema nas horas vagas.