Nota do Filme:
A utilização da atmosfera dos bonecos assassinos dentro do cinema de horror já é bem batida. Quando misturada a uma ação do sobrenatural ou a uma lenda urbana, o mistério nasce a intriga com ele. Durante toda a evolução do modelo, diretores com a promessa inovadora e os roteiros mais lustrosos para a alta produção, o horror, em especial o que utiliza os bonecos (saudosos ou não a Chucky), encontrou o seu lugar com a conciliação de uma boa e enxuta história de grande reviravolta. Recordar as passagens de filmes mais simples que usam sustos baratos ou fórmulas vencidas para o comercial é complicado, principalmente quando mergulham na área criativa de outras grandes obras. Em Gritos Mortais, a tentativa de criar um folclore de sua própria história foi bem sucedida.
Os sustos, caras tortas, maneirismos bonecais e gritos baratos com a música escalando bruscamente, alinham o longa a qualquer outro da categoria de horror barato. Adentrar a história de Gritos Mortais, contudo, oferece uma experiência surpreendente para quem não teve o trabalho de isolar o preconceito da produção chamativa inicial. Ainda que curta e pouco empolgante em toda a sua duração, há uma história que tenta se encontrar com uma história ainda mais longa. A cada conectivo que a trama oferece para que o público por si só dê cabo dos nós das respostas, há um conflito entre o que realmente o assusta dentro de todo aquele mistério.
O folclore criado ao redor da lenda de Mary Shaw (Judith Anna Roberts) toma caráter de uma daquelas histórias infantis que assustam os adultos que tiveram a má sorte de ouvi-la em um passado distante. O longa resgata bem essa sensação do horror clubista de reuniões para contos macabros à meia-noite em um fim de semana. A ambientação afogadamente escura já característica de James Wan, nos dá a impressão de que quase tudo é sombrio, mas muito além disso, é macabro e desconfortável. A azulada paleta que se estende durante toda a primeira mórbida metade de apresentação da história conclui para o público um cuidado com o que é exibido. Cada passagem, ainda que dentro de um modelo comercial desagradável para alguns, consegue prendê-lo simplesmente por passar por dentro desta mesma moldura intrigante.
A pacata Raven’s Fair, simbolizando o pior dentro do melhor de uma Silent Hill falida, não chega a ser explorada como deveria para uma trama tão direta e insistente em se revelar no cenário. Há no filme um caráter ambicioso de contar algo marcante com ferramentas antigas e particularidades óbvias do cinema deste tipo. Na cidade, cenário ideal para o desenvolvimento maior de toda a contribuição de personagens para a trama, não se destrincha mais do que alguns relatos ou breves histórias distantes sobre do que tudo aquilo se trata. Raven’s Fair é esquecida pelo roteiro, pela direção e pela própria contribuição dos poucos personagens criados para sustentar a mobilidade da história com a mesma fluidez que chega ao público desde o seu começo.
A relativização dos personagens contribui muito para a intrigante história que aparenta ter surgido do nada a partir da segunda metade da trama. Jamie Ashen (Ryan Kwanten), embora protagoniza massivamente toda a história ao lado da assombrosa Mary Shaw e sua coleção de bonecas, chega a ser obstinado cegamente diante da maioria dos eventos quando comparado ao que acontece a outros menores, como Henry Walker (Michael Fairman) vivendo seu pequeno negócio na cidade. A atuação não é de toda ruim. Há uma quebra mal feita da casca do personagem adolescente barato, o que é admirável para o que já surpreende dentro da trama até então. Contudo, enaltecer o razoável dentro do potencial de conquista que a história possuiria com um bom direcionamento do que as emoções do protagonista poderiam oferecer (principalmente para uma conclusão como a do filme), é no mínimo um equivoco.
Existe uma precariedade quanto a algumas locações quando comparadas às demais presentes em toda a extensão da obra. Cenas como a do hotel ou as externas com o cemitério visitado por Jamie Ashen quando o filme já se encaminha para o fim, poupam em muitos detalhes que em outros cenários se destacaram como decisivos para a criação e obtenção fidedigna do medo no público. Há nessa discrepância uma obrigação de manutenção muito importante para que a imersão do filme com a promessa de uma história assim se desenvolva com saúde. Essa sinuosa linha de qualidade dos cenários não convenceu tanto quem já havia se surpreendido com cenas bizarras dentro da sala de autópsia de Henry Walker ou a própria mansão do pai de Jamie Ashen, Edward Ashen (Bob Grunton).
Um grande comprometimento da qualidade final do filme veio com a proposta da adição do detetive Lipton (Donnie Wahlberg). Por muitas vezes suas participações parecem ser rasas e chegam a anunciar o cômico fora do que a proposta do filme realmente é. As inusitadas apresentações, quase sempre desnecessárias e que já geram desconforto no roteiro e no público, aparentam quase injetadas por alguma implicância dos bastidores ou da produção da obra. A perseguição policial que representa o factual dentro do que a versão pública acredita tende a ser essencial, mas torna-se importuna com este único personagem levando-a consigo. A necessidade de sua existência é, portanto, duvidosa e contraditória ao extremo.
O filme se torna interessante tecnicamente pela combinação já conhecida de James Wan com a atmosfera de um roteiro que busca uma luz certa para a imersão final. A qualidade e a garantia de uma apresentação sombria de cenários que se propõem como desta categoria é o bastião usado aqui para finalizar o grande conto sobre Mary Shaw com estilo e sem queimar muito a linha de equilíbrio entre o imaginário e as revelações reais que por um curto período de descoberta orbitam o personagem principal. Gritos Mortais é um filme que conquista por uma boa história, mas não por uma grande preocupação com o que ela poderia ser com isso. Um grande conto bem transmitido para um público jovem com a luz da sala desligada e as velas acesas.