Nota do filme:
Não importa se for na vida ou no cinema, fazer comparações não é legal, mas às vezes é inevitável. Do mesmo jeito que abrimos o Instagram e comparamos injustamente nosso dia mais ou menos com o da pessoa que passou a manhã se bronzeando numa praia belíssima, é fatal comparar duas obras com propostas bastante parecidas. Se você assistiu à primeira temporada de The Act (2019), provavelmente vai se lembrar dela quando assistir Fuja, um dos lançamentos mais recentes da Netflix. A gente sabe que é desleal comparar um filme e uma série do ponto de vista estrutural e até narrativo, até porque elas têm objetivos diferentes. Mas se o diretor Aneesh Chaganty se propôs a contar ele mesmo uma história tão semelhante, fica difícil conter o impulso.
A expectativa pelo segundo filme
Fuja é seu segundo longa, aquele que chega ao público depois do famoso Buscando… (2018), um thriller excelente que se desenrola inteiro através de telas de computador e TV. A trama era simples, mas o roteiro bem escrito e a direção criativa fizeram dele um filme moderno, e, acima de tudo, bem executado. Chaganty deu uma aula de narrativa e provou que tinha competência mais que suficiente para criar tensão e manter o espectador atento. Agora, com Fuja, o diretor tem contra ele uma história que já é previsível por si mesma, sem a interferência do fator The Act. Por conta da série, a pergunta que fica é se seu talento vai ser suficiente para, ainda assim, manter o interesse do espectador. Mas ele consegue.
Estrelado por Sarah Paulson e Kiera Allen, Fuja acompanha Diane (Sarah), que acaba de dar à luz uma menina num parto pré-maturo e muito complicado. A bebê está fraca e bastante debilitada e não sabemos se irá sobreviver de fato. 17 anos depois, Diane é mãe de Chloe (Kiera), uma adolescente inteligente e capaz, porém cheia de problemas de saúde como diabetes, asma e paralisia nos membros inferiores. Ela está para entrar na faculdade e espera ansiosamente o momento em que receberá sua carta de admissão. Mas a carta vai demorando mais que o esperado, deixando a garota desconfiada. É então que começa a investigar sua condição física e acaba descobrindo coisas que não esperava sobre a mãe.
Direção criativa e inteligente
Aqui, Chaganty repete a excelente execução de Buscando… e entrega mais um thriller de tirar o fôlego. Fuja é tenso e angustiante. O diretor sabe bem o que e quando mostrar, evitando alguns jump scares (aqueles sustinhos) possivelmente manjados para apostar em recursos muito mais inquietantes. Deixando de lado a narrativa do filme anterior, que se passava inteiramente online, ele se dedica a extrair o que precisa dos atores e faz um trabalho excelente.
Sem uma direção acertada, não existiriam boas atuações e Fuja tem as duas coisas. Sarah Paulson, que vem se especializando em personagens desequilibradas, está excelente como Diane, que deve se tornar uma de suas interpretações mais lembradas. A atriz mantém o equilíbrio entre externalizar a perversidade de sua personagem e agir como se agisse apenas pelo bem da filha, alcançando um resultado bem assustador. Já Kiera, que faz aqui seu primeiro trabalho como atriz, é igualmente impecável e segura com louvor a carga de protagonista. O fato de ter uma deficiência física e andar de cadeira de rodas na vida real torna sua atuação ainda mais autêntica e poderosa.
Um roteiro que se perde em obviedades
Mas a verdadeira e maior pedra no sapato de Fuja é o roteiro, consideravelmente inferior ao primeiro trabalho de Chaganty. Enquanto Buscando… possuía um texto sólido e menos previsível como um todo, Fuja é bastante irregular. Mesmo com um primeiro ato impecável, ele perde força ao longo da história, principalmente por conta de diversas facilitações narrativas e rumos que não fazem sentido para a trama. A proposta de um enredo simples e sem muitas firulas é válida, mas falta algo que acrescente peso narrativo e deixe o espectador menos indiferente.
Séries como The Act e Objetos Cortantes, por exemplo, cujo foco é mais ou menos o mesmo, contam com uma profundidade de análises muito bem-vinda. Ambas procuram explorar as diversas camadas da Síndrome de Müncchausen por Procuração (SMP), não para justificar as ações dessas personagens, mas para torna-las mais humanas e, assim, assustadoras. Fuja, já por seu título, mostra que quer ser curto e grosso e por melhor que seja a intenção, um pouco de complexidade teria ajudado. A execução, sim, é cheia de vitalidade e prende o espectador, mas a ausência de algumas camadas termina fazendo deste um thriller de gato e rato um tanto inexpressivo, como tantos outros por aí.
Jornalista viciada em recomendar filmes e revisora de textos recifense que vive escrevendo sobre cinema nas horas vagas.