Crítica | Eu Não Sou Um Homem Fácil (Je Ne Suis Pas Un Homme Facile) [2018]

Nota do filme:

“Acho que não pode entender sem passar por isso”. Damien

Escrito e dirigido por Eléonore Pourriat, Eu Não Sou um Homem Fácil é uma comédia romântica francesa em que a rotulada dominância dos gêneros é invertida, sendo a mulher a figura opressora nas relações. Essa é a base do roteiro, que conta a história de Damien (Vincent Elbaz), um machista inveterado que distribui cantadas inoportunas e que, após, um célere desmaio, acorda em um mundo onde os papéis de gênero, estereotipados, são invertidos. Como uma típica comédia francesa, os personagens são exagerados e o humor é mais sutil, priorizando mais a caracterização das personalidades do que a graça propriamente dita.

Damien desperta em um universo paralelo onde as mulheres dispõem da superioridade física natural em relação aos homens e usam esse “poder” para tirar vantagem do sexo oposto. A ideia da obra é clara: mudar o ponto de vista social de uma realidade machista para uma sociedade dominada por mulheres a fim de evidenciar os problemas das atitudes nocivas de alguns homens que negligenciam o que causam.

O protagonista é apresentado em uma conversa com uma terapeuta contando um trauma da infância devido a um amor não correspondido que o levou à humilhação, entretanto a preocupação que o fez procurar a profissional médica foi o incômodo que ele tem por passar tempo demais escovando os dentes. Fica óbvio que para ele o descaso ao tratar com as mulheres não é algo que precise de mudança.

Enquanto no mundo “normal” a apresentação de um pintômetro – um aplicativo que registra a quantidade de vezes em que o homem faz sexo em um ano e compara os resultados com os outros anos – é motivo de elogio e humor para os funcionários homens, no mundo paralelo, a exibição de um vulvômetro é tachado de nojento e grotesco pelo criador do aplicativo masculino.

É interessante notar que uma dona de bar se recusa a atender homens por usarem véus e, em defesa própria, eles alegam que seja cobrindo a cabeça ou mostrando demais as pernas, homem só é criticado e mulher pode fazer de tudo. É nesse momento que o protagonista se dá conta que tem algo estranho acontecendo, que ele está em um lugar onde exigir os direitos do homem não passa de um mero discurso masculista constantemente ignorado pelas mulheres.

O excesso de clichês pode incomodar o espectador. A trama exagera em mostrar uma realidade em que, predominantemente, são os homens os encarregados de fazer as atividades domésticas, educar os filhos, ter maior preocupação com os cuidados estéticos, enquanto são as mulheres que abusam dos homens e têm a responsabilidade de trabalhar fora. Mas, o fato de reverter esses clichês, como as mulheres gostarem de futebol e os meninos de balé serve para ilustrar para o espectador a inversão dos mundos.

Com humor leve, a história se propõe de forma didática a mostrar que o sexo explorador cria situações de desvantagens para o oprimido. A troca de papéis estereotipados de gênero realça que o machismo é arraigado e soa comum e natural diante de situações vexatórias, desagradáveis e humilhante para as mulheres, o que fica fácil perceber quando é o homem que está na situação de desvantagem e se sente incomodado com os embaraços conhecidos por tantas mulheres. A comédia atende a proposta, mas está longe de se aprofundar nos reais problemas enfrentados pelas mulheres fruto de uma realidade patriarcal.

A dificuldade de apresentar um ponto de vista sobre determinado assunto é fazer o público entender aquele ponto sob a vista do outro. E é isso que Eu Não Sou Um Homem Fácil tenta fazer. Um machista inveterado perde os “privilégios de ser homem” e sente na pele o incômodo por trás das cantadas e propostas indecentes e ofensivas que só ultrajam e desrespeitam o outro na medida em que o opressor não sabe ou não se importa com o sentimento que causa.

Para Damien fica insuportável viver em uma sociedade opressora que “objetifica” seu corpo e reprime seus direitos, conferindo mais espaço profissional ao gênero oposto. É um filme necessário para entender alguns malefícios de uma sociedade sexista.

No entanto, problematizando a questão central do filme, a consequência de uma interpretação distante do objetivo da autora pode ser danosa. Ao colocar as mulheres com poder de opressão agindo da mesma forma que os homens do mundo real, pode levar à premissa de que no “lugar do homem” a mulher agiria igual, servindo como desculpa para o machismo. Essa maneira de perceber o enredo naturaliza as atitudes tóxicas masculinas mostrando que se a mulher tivesse “o poder” para oprimir o faria também, o que, claramente, foge da intenção da autora.

Portanto, é preciso ver o filme como uma ilustração de que o “poder” de um gênero sobre o outro é nocivo e que o ideal de mundo seria a igualdade de direitos, em que o respeito seria fundamental a todos e ninguém tiraria vantagem de ninguém. A luta é essa.

Disponível na Netflix.

Direção: Eléonore Pourriat | Roteiro: Éléonore Pourriat |Ano: 2018 | Duração: 98 minutos | Elenco: Vincent Elbaz, Marie-Sophie Ferdane, Pierre Benezit, Blanche Gardin, Celine Menville.