Crítica | Eu, Daniel Blake (I, Daniel Blake) [2016]

Nota do Filme:

Eu, Daniel Blake retrata o drama de Daniel Blake (Dave Johns), carpinteiro de 59 anos que, após sofrer um ataque cardíaco, não pode, por ordens médicas, exercer a sua profissão. Desse modo, para garantir a sua subsistência, deve buscar, junto ao governo do Reino Unido, algum tipo de auxílio.

Em sua jornada contra a burocracia estatal, faz amizade com Katie (Hayley Squire), mulher recém chegada à cidade, também em dificuldades. Ao mesmo tempo, acaba se transformando em uma figura paterna para os seus filhos Daisy (Briana Shann) e Dylan (Dylan Phillip McKiernan).

Eu, Daniel Blake foi apresentado no Festival de Cannes de 2016 e ganhou o Palme d’Or, prêmio de maior prestígio do Festival. Em 2017, a obra também foi agraciada com o prêmio de Melhor Filme Britânico no BAFTA.

A despeito de não se tratar de um filme de terror, há algo extremamente perturbador na história do protagonista. Talvez, fosse um longa do gênero, a narrativa poderia ser mais simples e menos intensa. Isto porque o que protagonista enfrenta não é quantificável e, por vezes, é quase imperceptível. Todavia, dia a dia essa, “força” atua sobre ele, fatigando-o pouco a pouco, mas de maneira constante.

O algoz de Daniel não é algo simplório como um fantasma ou espírito maligno. Ele enfrenta algo muito mais resiliente que um mero demônio a ser exorcizado. Seu inimigo é a ineficiência e burocracia estatal. Desse modo, esse “terror” do conto decorre justamente da sua relação com a realidade.

Nesse sentido, por mais que não seja, oficialmente, baseado em qualquer caso real, o modo como retrata a realidade é tão brutalmente honesto que o espectador sabe que poderia, facilmente, ser. Isto é, intermináveis chamadas telefônicas que nunca solucionam o problema,  atendimento presencial pouco efetivo, sempre requerendo algum formulário diferente [1] e, ainda, dificuldade de acesso àqueles mais velhos [2].

Por vezes, a narrativa altera o seu foco, de modo que consegue abordar, ainda, outras situações decorrentes desta inanição governamental. Ao abordar os problemas pelos quais Hayley passa, a história se diversifica, tratando, por exemplo, de questões inerentes aos obstáculos enfrentados por muitas mães solteiras.

Todos esses fatores são complementados por excelentes performances do elenco. Dave Johns, que faz a sua estréia em longa metragens, está impecável. Haley Squire faz com que seja impossível não simpatizar com a sua personagem. Briana Shann e Dylan Phillip McKiernan, atores mirins, fornecem a inocência necessária à obra. Por fim, ressalta-se a direção de Ken Loach, que fornece a sobriedade necessária, agregando todos os fatores acima citados em um filme coeso.

Tem-se, então, que a história de Eu, Daniel Blake contém forte valor social, posto que ilustra uma questão de grande importância: os danos causados por uma excessiva burocracia estatal que, em última instância, sempre irá afetar aqueles que mais necessitam de auxílio. Desse modo, essa intensidade e fidelidade pode não agradar ao espectador médio, mas isso apenas comprova a qualidade da narrativa, uma vez a realidade é, por vezes, desagradável, motivo pelo qual o conto é bem sucedido em transmitir a sua mensagem.

[1] “Dan, eles estão te enrolando. Estou avisando. Vão te infernizar o quanto puderem. Não é por acaso. Faz parte do plano. Quantos não aguentam e desistem?”

[2] Gerente do Centro de Trabalho: Há um número especial, se for diagnosticado com dislexia. Daniel: Pode me dar o número? Porque com computadores sou disléxico. Gerente do Centro de Trabalho: Vai encontrá-lo online, senhor.