Nota do Filme :
A palavra democracia deriva do grego demokratía, que é composta por demos (povo) e kratos (poder), ou seja, é o regime político em que a soberania é exercida pelo povo. Neste sistema de governo, o exercício do poder é realizado através do pleno direito ao voto de todos os cidadãos adultos (sufrágio universal).
“Documentário sobre o processo de impeachment da ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, que foi considerado como um dos reflexos da polarização política e da ascensão da extrema-direita para o poder. O filme conta com imagens internas e exclusivas dos bastidores do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e do Palácio da Alvorada, enquanto ocorria a votação para a queda de Dilma. ”
Petra Costa, que dirigiu, escreveu e produziu o longa, traça o cenário político do Brasil nos dias atuais, partindo das manifestações de junho de 2013 para ilustrar o rompimento da sociedade civil em dois lados extremamente opostos, enquanto traça o seu papel no meio desse turbilhão.
Para demonstrar isso, a edição, realizada por 6 pessoas, é feita de forma primorosa ao adotar uma estrutura que utiliza recortes do passado sempre que convém, de forma a elucidar a situação atual, criando rimas visuais, por exemplo, de momentos opressivos da ditadura com a ostensividade da polícia nas manifestações do impeachment. Além disso, não melindra ao inserir recortes da sua história pessoal e de sua família para analisar o panorama geral, pelo contrário, esse toque intimista dialoga com o micro e atinge o macro de toda a sociedade, dando autenticidade e fácil identificação para o longa.
Ademais, é visível a influência de Chris Marker no trabalho da diretora, principalmente quando intercala entrevistas do público durante as diversas manifestações políticas que ocorrem de forma a mostrar o sentimento da população em meio a isso tudo.
Apesar disso, Petra define muito bem a linha temporal da sua narrativa, sendo mais precisamente a derrocada das manifestações de junho de 2013 até a ascensão do presidente Jair Bolsonaro, na qual destrincha os maiores momentos da política nesse momento, analisando como a Operação Lava-Jato e o processo de impeachment de 2016 afetaram o status quo do Brasil e em como isso representa uma ruptura no Estado Democrático de Direito.
Talvez o grande trunfo do documentário seja o olhar pessoal da diretora sobre a política, mostrando como ela acreditava em um projeto de governo desde a sua primeira eleição, e como tudo se degringolou. A desilusão que a assola após a ruptura é transmitido de forma intensa através das imagens e, é claro, das indagações e comentários que ela faz sobre a situação.
Com isso, sua ótica sobre a fissura que se alarga a cada dia que passa, é ratificada pela direção que Petra faz, conseguindo captar imagens carregadas de significado que corroboram e ilustram a rachadura política, desde uma simples divisão de barricadas para manifestações até as divergências pessoais e sociais dos cidadãos de cada lado.
No quesito familiar, a diretora nos mostra ainda como a sua família se liga a essa veia política crescente, desde as divergências econômicas dos seus avós para os seus pais até o enredamento da mesma casta oligárquica de anos atrás estar sempre presente nos governos, independente de quem esteja exercendo o poder presidencial. Ainda, é válido ressaltar o espaço que Petra dá para cada personagem, desde sua mãe ou seus avós, até a ex-presidente Dilma, Janaina Paschoal ou Sérgio Moro, há uma gama de informações para tentar mostrar todos os lados desse prisma.
Portanto, trata-se de um grande trabalho de pesquisa buscando entender toda a nossa frágil democracia e porque ela parece estar ruindo. No entanto, há um quesito mais importante no projeto, de que ele nos lembra que não devemos normalizar as loucuras que vêm ocorrendo por conta da ruptura, como a votação horripilante do impeachment, a ojeriza da cor vermelha ou a violência ocasionada por isso, independente do discurso político, deve haver um mínimo de decoro, seriedade e humanidade, e a moral ou crença não pode se sobrepor a isso.
Apaixonado por cinema, amante das ciências humanas, apreciador de bebidas baratas, mergulhador de fossa existencial e dependente da melancolia humana.