“E deixo você costurar botões nos meus olhos.”
Coraline
Nota do Filme:
Coraline e o Mundo Secreto acompanha a pequena Coraline (Dakota Fanning) que, a contragosto, se muda junto de sua família para uma nova cidade. Após se sentir negligenciada pelos seus pais, achando que eles não lhe dão a devida atenção, a protagonista encontra uma pequena passagem na residência e, ao atravessá-la, encontra-se em um mundo paralelo muito semelhante ao seu, mas, aparentemente, melhor, incluindo versões de seus pais com botões no lugar dos olhos. Contudo, quando é contemplada com a possibilidade de ficar nesse local para sempre, percebe que talvez haja algo de errado nessa realidade.
Henry Selick, diretor e roteirista, tem uma clara paixão pela arte do stop motion e conta com grandes filmes que se utilizam desse meio de animação, como O Estranho Mundo de Jack e James e o Pêssego Gigante. De toda forma, ao adaptar o famoso romance de Neil Gaiman, conseguiu criar algo quase atemporal que, desde então, parece apenas angariar mais e mais fãs.
Coraline e o Mundo Secreto apresenta uma narrativa infantil clássica, típica de conto de fadas, mas com elementos sombrios o bastante para, possivelmente, assustar algumas crianças. A própria abertura, com a descostura de uma boneca de pano, possui uma atmosfera etérea que, acompanhada por uma trilha sonora tensa e um inteligente uso de câmera, mais parece uma cena de um filme de terror.
A simples inclusão de botões no lugar dos olhos cria uma sensação de desconforto a quem quer que assista ao longa, muito talvez por conta da hipótese do vale da estranheza. Dessa forma, é interessante notar como a estética do stop motion parece ser necessária a essa atmosfera pouco usual, esse meio termo entre infantil e maduro. Nesse sentido, em uma era onde animações são constantemente refeitas em live-action com quase sempre pouco, ou nada, a acrescentar – olá, Disney –, a mera conjectura de algo do gênero para o longa parece roubá-lo de seus elementos mais necessários.
Não se trata, é claro, do único aspecto técnico no qual Coraline e o Mundo Secreto se sobressai. O uso de cores de modo a diferenciar ambas as realidades é bastante eficaz, ainda que pouco sutil. A trilha sonora, ao mesmo tempo, confere uma atmosfera de constante mistério à toda a obra, como se houvesse – e há – algo de assustador rondando as personagens.
Contudo, em que pese a importância do meio pelo qual o roteiro é transmitido ao espectador, é justo dizer que o aspecto mais complicado para a narrativa funcionar de maneira harmoniosa é o relacionamento da protagonista com seus pais verdadeiros. Isto porque a sua fuga ao mundo paralelo, por mais que justificada aos seus olhos infantis, não pode ser necessária ao seu bem-estar geral.
Nesse sentido, em que pese uma aparente apatia e desconexão de seus genitores, o filme jamais passa a impressão de que seriam minimamente abusivos. Não há qualquer traço de maus-tratos, seja no passado seja no presente, de modo que a busca de Coraline por atenção, ainda que razoável à sua tenra idade, é rapidamente desvendada por aqueles que já passaram por essa complicada fase como um algo tipicamente infantil, natural e, mais importante, passageiro.
Isto é, a audiência infanto-juvenil consegue simpatizar com a personagem título, compreendendo seus sentimentos e, espera-se, eventualmente chegar à mesma catarse que ela, enquanto que espectadores mais velhos e, deduz-se, mais maduros, entenderão que não se trata de um ambiente familiar desprovido de amor e compaixão, apenas fora de sintonia – situação perfeitamente normal considerando a exaustão que uma mudança, especialmente para um local distante, acarreta aos envolvidos. A filha demanda atenção dos pais por uma questão natural da idade, não por conta de uma necessidade imediata ou, ainda, por segurança e integridade física.
Trata-se de ponto inestimável ao desenvolvimento correto do roteiro, de modo a prover o necessário amadurecimento da protagonista de forma a apreciar o contexto no qual está inserida, lembrando-se não apenas de seus pontos negativos mas, também, positivos. Fosse um ambiente verdadeiramente tóxico à ela, não haveria cenário positivo em seu possível retorno. Ao mesmo tempo, a catarse buscada na história estaria fadada ao fracasso, uma vez que se trataria de uma escolha impossível entre dois ambientes terríveis, apenas se diferenciando em seu grau.
Coraline e o Mundo Secreto, assim, se encontra em um curioso meio-termo entre a infantilidade e o assombroso. Por mais que não seja inassistível à crianças, eis que não aborda temáticas tão distantes dos contos de fada que parece tanto tomar como inspiração, a estética sombria poderá afetar o destinatário final. Um conto simples mas que, em sua simplicidade, consegue transmitir uma complexa mensagem que, por vezes, é esquecida.
Carioca, advogado e apaixonado por cinema. Busco compartilhar um pouco desse sentimento.