Nota do Filme:
Em dezembro de 2012, a República Centro-Africana mergulhou em uma guerra civil, que pode ser entendida como continuidade de outra guerra civil, que havia ocorrido entre 2004 e 2007, e que por sua vez estava vinculada a um golpe de Estado perpetrado em 2003, o que dá o tom da dramática situação vivida por sua população neste primeiro quarto de século. Envolvendo questões políticas, étnicas e religiosas, os embates afetaram milhões de pessoas e geraram denúncias de genocídio e violações dos direitos humanos, provocando uma intervenção francesa na região. Mesmo após a assinatura de um cessar-fogo em 2014, e a retirada das tropas estrangeiras em 2016, hostilidades ainda existem e o país possui uma divisão que parece insuperável.
Neste contexto e interessada em contribuir para dar visibilidade ao que estava ocorrendo, a fotojornalista francesa Camille Lepage (Nina Meurisse) viajou ao local e registrou imagens que correram o mundo, até que em 13 de maio de 2014 seu corpo foi encontrado em um carro dirigido por uma das milícias envolvidas na guerra, e as circunstâncias de sua morte ainda não foram esclarecidas. É esse o foco de Camille, que acompanha o período em que a fotógrafa esteve cobrindo o conflito.
Algo que chama a atenção desde o começo do filme é a quantidade de letreiros que contextualizam o espectador sobre os principais eventos cronológicos dos confrontos, e isso é problemático em dois aspectos. O primeiro se refere à narrativa, já que esta se torna excessivamente expositiva e não permite que uma parte da história seja contada por conta própria. Quanto ao segundo aspecto, diz respeito a uma triste constatação, que certamente foi percebida pelos roteiristas. Me refiro ao fato de que boa parte do público – e me incluo nesse grupo – possui pouco conhecimento do que se passou no país africano na última década, seja por não nos interessarmos o suficiente, seja por não vermos com frequência a África nas manchetes dos principais noticiários. Assim sendo, os responsáveis por Camille tiveram que empregar um recurso pouco sofisticado, mas que tem a função de preencher as lacunas de nosso próprio conhecimento geopolítico e nos deixar situados em relação aos episódios retratados.
Já Meurisse merece destaque por retratar Lepage com intensa humanidade, na qual a genuína compreensão da função social de seu trabalho convive com seus interesses particulares em se destacar profissionalmente. Nesse sentido, também é eficiente a direção de Boris Lojkine, que é corajosa o suficiente para incluir cenas em que a protagonista seleciona quais fotos das vítimas de um massacre têm mais chances de serem publicadas, ou quando ela fica feliz ao receber uma ligação de um jornal. Meurisse e Lojkine sabem que não estão fazendo uma hagiografia, e isso inclui reconhecer que até o mais bem-intencionado correspondente de guerra possui aspirações pessoais, ainda que esteja testemunhando e reportando uma tragédia humanitária.
O longa ainda presta uma bela homenagem à Lepage ao incluir suas fotos durante a projeção, à medida que a atriz realiza as capturas. Além do respeito com sua memória, a inclusão dos registros é orgânica e parece mesmo ter sido feita naquele momento, sem soar como imagens de arquivo. Outro acerto da produção é evitar a condescendência e reconhecer que os grandes protagonistas daquele universo são os homens e as mulheres da República Centro-Africana. Assim, a fotógrafa nunca tenta se portar como sua representante, optando em vez disso por simplesmente contar um pouco da história daquelas pessoas através de sua câmera.
Melancólico em sua essência e inevitavelmente desanimador por conta dos eventos reais que aborda, Camille se sustenta através de uma caracterização cuidadosa de sua protagonista e de uma direção disciplinada que transita bem entre a história de uma jovem em seus últimos meses de vida e o tom semidocumental de uma guerra civil contemporânea, sem apelar para o melodrama ou a comoção fácil.
Historiador que acredita que a vida fica mais fácil quando vamos ao cinema.
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