Nota do Filme :
Por ser um subgênero constantemente revisitado e cujas primeiras abordagens remontam aos primórdios do Cinema, o “filme de vampiro” costuma apresentar alguns desafios delicados para qualquer realizador que resolva enveredar por tal caminho, sendo necessário tomar certos cuidados para não produzir apenas mais do mesmo. Igualmente, pode ser árdua a tarefa de introduzir uma nova roupagem a esse tipo de história e produzir um material interessante. Nos últimos anos, porém, ótimos resultados surgiram de iniciativas assim, como Deixa Ela Entrar (2008), Sede de Sangue (2009), O que Fazemos nas Sombras (2014) e Amantes Eternos (2013), dirigido e escrito por Jim Jarmusch.
Na trama, acompanhamos a relação entre Eve (Tilda Swinton) e Adam (Tom Hiddleston), um casal de vampiros centenários que precisam lidar com o tédio resultante de já saberem praticamente tudo o que há para se saber sobre a vida, a Arte e a sociedade. Mais complicado ainda, reconhecem que o profundo conhecimento que possuem um sobre o outro também configura um fator de complicação, uma vez que quase já não há mais espaço para surpresas. Nessa condição de “condenados à imortalidade”, ambos ainda precisam lidar com o turbilhão causado pela chegada de Ava (Mia Wasikowska), a imprevisível e efusiva irmã mais nova de Eve e as consequências que sua chegada causam em Ian (Anton Yelchin), um humano amigo de Adam.
O roteiro de Jarmusch, embora respeite certas convenções clássicas atribuídas às criaturas noturnas, atinge um excelente nível no que diz respeito à nova roupagem acima mencionada: os protagonistas possuem um curioso sistema para obter sangue; em vez de seres ferozes, são finos e altamente instruídos; os seres humanos são curiosamente chamados de “zumbis” e – talvez o ponto alto do texto – o longa joga luz sobre quais seriam os produtos naturais de uma presença na Terra através de séculos, isto é, inevitáveis contribuições à humanidade. Assim, como uma espécie de “Forrest Gump vampiresco”, a dupla testemunha e protagoniza importantes passagens de nossa trajetória enquanto espécie.
Já direção e fotografia, aliadas a um eficiente design de produção, possuem uma sofisticação compatível com os personagens que (re)tratam com tanto carinho. As cenas em Tânger, por exemplo, possuem um tom em amarelo ofuscante que traduz todo o calor emanado pelo casal, o que resulta em inúmeros momentos belíssimos que poderiam ser impressos e emoldurados na parede.
O figurino, que contrapõe o preto de Adam com o branco de Eve, o restante do elenco (além de ótimas composições de Wasikowska e Yelchin, há Jeffrey Wright e John Hurt dando mais uma prova de seus imensos talentos) e a trilha sonora – algo habitualmente bem cuidado na filmografia de Jarmusch – contribuem não apenas para tornar Amantes Eternos um grande filme, mas para criar um universo fascinante que deixa o espectador com vontade de vê-lo mais vezes (o diretor ainda não indicou que pretende voltar a esse mundo, mas quem assistiu a um determinado episódio da série de O que Fazemos nas Sombras pôde matar um pouco a saudade).
De qualquer forma, o que torna a obra tão eficaz são os trabalhos de Swinton e Hiddleston. Poucas atrizes seriam tão propícias a interpretar uma vampira como a primeira, algo que seu olhar penetrante deixa bem claro desde os primeiros minutos. Já o segundo imprime com êxito o desapontamento sentido por Adam e a frustração por ver o que ele considera como o declínio social e cultural da humanidade.
E isso tudo torna Amantes Eternos uma produção criativa, inventiva, visualmente bela e ambiciosa. O título original, aliás, Only Lovers Left Alive, é um dos mais bonitos dos últimos anos, carregando em si uma doce e melancólica mensagem. O mais curioso é que, considerando que uma das teses da narrativa é a importância de se manterem vivas a curiosidade intelectual e criação artística, o trabalho de Jarmusch acaba sendo justamente um exemplar desses elementos.
Historiador que acredita que a vida fica mais fácil quando vamos ao cinema.
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