Crítica | A Noiva (The Bride) [2017]

Nota do Filme:

A indústria do horror costuma ser atrativo para o amadorisma criativo generalizado. Se por uma produção pequena e ambiciosa ou por uma grande e complexa, toda direção e roteiro partem do princípio de que podem contar algo novo utilizando metodologias próprias e inovadoras para a nova demanda. É na tentativa de salvar o gênero de um completo afogamento em desastres que o peso e a falta de noção de produtos finais que chegam para a próxima tentativa da fila acabam pesando ainda mais em cima do que é produzido por viés independente. É com boa produção e um bom elenco que A Noiva tenta se exibir com confusão e muitas gratuidades jogadas na tela. Para o diretor iniciante Podgaevskiy, mostrar mais e explicar menos é saudável sem limitações. Saindo do óbvio comum de ter um filme fechado e com sentido final bem estruturado não parece ser um objetivo, mas soa mais como uma obrigação a ser evitada pelo diretor. Quando mirar nos padrões para sustos e interpretações sem adequadas motivações lhe é uma escola, ele, por outro lado, agarra sem questionamentos e joga isso em seu filme com tamanha certeza de que ficará bom que o transformou no que é.

A abertura do longa talvez seja uma das passagens que mais conquista um público distante que se aproximou do audiovisual banalizado como o de A Noiva com a perspectiva do terror literário bem representado. A ambientação do século XIX é cativante, sombria e terrivelmente perturbadora só por ser o que é em cena. Não admitindo interferências de grandes sustos ou terríveis criaturas saindo das sombras com gritos lacerantes, essa abertura anuncia tão bem quanto um placebo o que vem a seguir. Esse fascínio temporário que resgata um terror gótico promove em pouco mais de dez minutos um passado instigante para toda a trama. A narrativa de fundo colabora para uma apreensão do que acontece dentro do ritual em si, seus sacrifícios e participantes. Um golpe de mistério logo de cara que, não sendo suficiente para estar em tela a todo momento, deixa um gosto óbvio de qualidade que não é resgatado mais na frente. Talvez por custeio, talvez por modernização desses padrões do gênero que introduzem um passado, ainda que distante (como o do filme) para desenvolver um presente quase unanimemente raso e decepcionante dentro dessas tramas.

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E é com a proposta de viver de um passado que progride em uma misteriosa ritualística de casamento que o enredo de A Noiva tenta se consolidar. O filme coloca a protagonista dentro do pequeno ambiente de uma casa no interior cercada por contradições que só se mostram e não se explicam. Alguns personagens passam batidos ainda que com uma presença ativa dentro da maioria das cenas e uma composição única com o que a história aponta em seus contos internos. Os pais de Vanya (Vyacheslav Chepurchenko) são peças que não são levadas em conta para a construção de um novo e sequelado personagem. E de fato, nenhum dos personagens passa a sensação de lidar com algo além do cotidiano. A ritualística de uma só tentativa, como aparenta ser, não levanta grandes opiniões e não retrata o desespero dos líderes do ritual senão no momento em que realmente correm o risco de falhar com seus procedimentos. É nessa calmaria do elenco que nascem as maiores injúrias de um roteiro focado em tão sublimes questões de insanidade, submissão ao sobrenatural e resguardo familiar. Mais tarde, o grande e ambicioso elenco não passa de números e figurinistas que quase não se relacionam em qualquer nível empático.

Fugindo da exceção da total indiferença com os relativos, Liza (Aleksandra Rebenok) toma talvez a maior responsabilidade da trama em representar a corda de força entre o amor e a quebra daquela genealógica maldição dentro de sua família. A irmã de Vanya ocupa na segunda metade do filme um papel de mãe que surpreende dado o seu desenvolvimento até então, mas não a desafoga da perca de tempo e evolução de personagem omissa na primeira metade. Lidando com a responsabilidade de concluir a trama como fez, a personagem chega a conquistar mais atenção do que a própria protagonista e seu estrelado tempo em cena. Contudo, isso não poupa o público de creditar a Liza uma boa distinção para todo o roteiro, que é na verdade uma bagunça quando lida com o próprio mistério. As  muitas interpretações possíveis para a origem da Noiva são baseadas em igualmente variados fatores, tais como a ritualística ou a possessão de mulheres muito específicas. Essas classificações só se tornam válidas como argumento de crítica por serem fundamentais para o sentido final da obra e as regras que a própria impõe em cima da narrativa. Por não explicar muito, e se chega perto, faz isso vagamente, o diretor tem a liberdade de manipular sentidos, cenas e desclassificar possíveis furos que mais tarde pode julgar como propositais dentro do contexto deste mesmo mistério. Não se arriscando, o filme perde imensa credibilidade na sua progressão.

Com a clara distinção das motivações primárias dos personagens, A Noiva segue para o horror como recurso principal e único. Não se preocupando com qualquer grau de drama palpável na proximidade do casal principal ou do próprio noivo com a sua família, os sustos, ainda que escassos, fracos e demorados, tomam todo o peso dos filmes nas costas e falham em segurá-lo. Como a criteriosa narrativa que tenta ser, A Noiva apenas falha em apresentar o próprio enredo na confusão em tentar mostrar tudo. Os olhos de Nastya (Victoria Agalakova) são os olhos do público, mas eles quase sempre estão ocupados em uma fuga ou em uma desesperada tentativa de não fazer absolutamente nada a partir da segunda metade da trama. Seu protagonismo não a poupa de sofrer, o que é excelente para um bom argumento de um filme de horror, mas também a protege de ter uma grande repercussão em sua personalidade destes acontecimentos, o que é igualmente decepcionante. Sua avaliação de todas as situações se resume quase sempre a lutar ou fugir para lutar, e em ambos os cenários se concentra em manter uma expressão calma e estável para uma jovem que corre tamanho risco de ser morta de tão diferentes formas. Comprometido de todas as direções que pode ser, o roteiro se torna cada vez mais insignificante quando o mistério primário aparenta ter uma solução clara desde o princípio, mas os personagens se mantêm nessa procrastinação de se afirmarem importantes quando a única coisa que ainda podia ter qualidade, a história, já estava à beira do poço.

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Quando se trata de técnica, o longa definitivamente alcança níveis surpreendentes em sua composição. A fotografia consegue diferenciar bem o dia da noite e toda a atmosfera injetada nos personagens com a sua passagem. Alguns enquadramentos fazem com que as cenas em si roubem a total atenção, mesmo que o que se desenrole ao fundo delas tenha uma significância mínima e passageira. É com esses compostos de luz e cor que o longa se distancia do convencional e ambiciona algo realmente belo, mas que não chega a ser assustador nas passagens que mais se destacam por esse quesito. Nos flashbacks vivos de Nastya para um passado sombrio da história da Noiva, se testemunha um cenário novo, mas dentro do que o filme mostra em sua abertura. O século XIX é bem ambientado, mesmo que com pressa, o que resgata novamente a possibilidade de uma boa qualidade perdida logo em seguida mais uma vez. É com a promoção de uma boa direção artística que a trama cria indescritíveis ambientações que podem falar mais do que aparentam, mas não ganham atribuição alguma para terem essa responsabilidade. No fim, o cenário é bonito, bem ampliado em sua fotografia e inovador, mas é só um palco para um tombo de atuações e conflitos rasos.

O longa amador consegue surpreender com maquiagens e boas caracterizações artísticas. O enquadramento demorado do diretor em algumas situações cria um incômodo natural, quase uma assinatura de trabalho, do que aparenta ser a vertigem de um bom horror, o que cria uma excelente deixa para ser desenvolvida mais tarde. Esses enquadramentos se repetem e geram uma expectativa horripilante para as primeiras cenas com o espírito atormentado no presente. E na tentativa de se igualar, novamente se perde quando abandona o recurso por uma promoção na falha história. É com buracos e tropeços inconcebíveis que a trama mergulha em uma conclusão confusa e que gera pouca expectativa para o que realmente aconteceu ao seu final. Todo o fechamento da obra única, ainda que previsível, continua a guardar respostas com tamanha irresponsabilidade que só confirma a má intenção inteira do que aconteceu na trama. Longe de ser uma boa peça do distante horror russo, A Noiva só é mais um pedaço sucateado da explosão da amedrontada maré moderna do gênero.