Nota do filme:
A crítica que escrevi sobre Juventude começa da seguinte maneira: Paolo Sorrentino é, merecidamente, um dos principais nomes do Cinema italiano contemporâneo. Suas histórias costumam girar em torno de questões existenciais vividas por indivíduos peculiares que, de um modo ou de outro, se veem perdidos em determinado momento de suas vidas. Portanto, não é de se espantar que em A Mão de Deus, seu novo projeto, o padrão se repita. A novidade é que, dessa vez, o indivíduo em questão é o próprio Sorrentino.
Com ares assumidamente autobiográficos, o longa é centrado no jovem Fabietto (Filippo Scotti), alter ego do diretor que vive em Nápoles na década de 1980. Com o tempo basicamente dividido entre os conflitos familiares, as incertezas sobre o futuro e a expectativa da chegada de Diego Maradona à cidade para atuar na equipe local, o garoto passa por experiências decisivas que pavimentam o caminho que acabaria por leva-lo à vida de cineasta.
Fã incondicional de Maradona, chegando ao ponto de incluí-lo em seu discurso de agradecimento após ganhar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014, por A Grande Beleza, o diretor não economiza no que diz respeito a destacar a importância do astro, não só em sua vida, mas no cotidiano e no orgulho do povo napolitano em geral. Mais do que um simples ícone do futebol, o argentino obteve a condição de figura mítica (D10S, afinal de contas), balizando diversas passagens do filme. Assim, a mensagem é clara: é impossível compreender o cineasta e, por extensão, sua Arte, sem compreender o impacto causado por seu ídolo.
A mesma mensagem vale para determinados acontecimentos familiares, que alterariam profundamente sua vida e cujos efeitos são, ao mesmo tempo, pesados e decisivos em sua trajetória. E aqui o realizador é talentoso ao inserir toques de humor e leveza justamente nos momentos mais sérios da narrativa, sem que um pingo dessa seriedade seja perdido.
Já a recriação de época é feita com esmero, graças sobretudo aos trabalhos de figurino e design de produção, que evitam o erro – tão comum em produções que se passam nos anos 1980 – de sobrecarregar as cenas com objetos facilmente identificáveis da década, optando por utilizar elementos mais sutis. O figurino, aliás, também merece elogios por constantemente trazer o protagonista vestindo alguma peça azul clara, ressaltando, de modo natural, sua paixão pelo time. Sorrentino, por sua vez, conduz a direção exibindo algumas de suas principais características, como os movimentos de câmera e a atração pela simetria.
Quanto ao elenco, Sorrentino não pode queixar-se de como está representado em tela, uma vez que Scotti conquista nossa simpatia através de uma postura serena e contemplativa, ainda que seu personagem esteja passando por uma fase turbulenta e com muitas coisas a serem absorvidas. Já seus pais, vividos por Toni Servillo (tradicional parceiro do diretor) e Teresa Saponangelo transbordam carisma e constroem figuras adoráveis, ainda que nem todas as suas ações (especialmente do pai) sejam aprováveis.
A Mão de Deus consegue ainda ser rico e possuir múltiplas interpretações em seu título. Se inicialmente pode ser entendido como mera referência ao gol marcado por Maradona na copa de 1986, vai ganhando novos significados à medida que novos eventos se passam na vida de Fabietto/Sorrentino. Cada um desses eventos acaba se relacionando, de uma forma ou de outra, com o nome da história, tornando-a coerente com o todo. É, enfim, uma carta aberta de um grande artista nos mostrando como contextos específicos – marcados também pelo acaso – moldaram sua Arte, algo que se revela fascinante.
Historiador que acredita que a vida fica mais fácil quando vamos ao cinema.
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