Nota do filme:
Relacionamentos não são coisas simples. A química é sempre única e a paixão, que um dia ardeu de forma inefável, pode deixar, com o tempo, de ser tão intensa quanto um dia já foi. Há momentos em que nos questionamos até que ponto amamos de fato a outra pessoa por quem ela é, e até que ponto o sentimento provém da idealização que criamos sobre ela – metáfora que se torna perfeita quando prestamos atenção ao título original do filme, “The One I Love”.
Filmes com a temática romântica, sempre tentam, até certo ponto, retratar as variadas camadas que surgem quando o assunto central é um relacionamento problemático. Dependendo do trabalho de roteiro e/ou atuação, essa retratação acaba se tornando algo raso e até mesmo insensível, perdendo a oportunidade de trazer à tona um sentimento reflexivo e autocrítico ao espectador, que deve sempre tentar extrair o máximo de experiências e sentimentos que um filme pode lhe proporcionar. Para nossa sorte, o diretor Charlie McDowell e o roteirista Justin Lader, estreantes em longas, não cometem o mesmo erro.
Sophie (Elizabeth Moss) e Ethan (Mark Duplass) formam um casal que, a cada dia, vê seu relacionamento cair no marasmo e na rotina unidos à falta de confiança, motivada, principalmente, por uma decisão errônea tomada por ele no passado. Para tentar reverter esse quadro e trazer de volta as boas memórias, a felicidade “fácil” e as aventuras vividas por ambos na juventude, a dupla decide recorrer à terapia conjugal, método muito utilizado por pessoas na mesma situação. De início, o enquadramento de câmera e o posicionamento das poltronas em que estão sentados mostram de maneira clara, e até óbvia, esse distanciamento involuntário. Após algumas sessões frustradas, o terapeuta (Ted Danson), indica um retiro de férias, que, segundo ele, foi uma estratégia infalível para a reconciliação de seus clientes anteriores, visto que é um local isolado e propício para um tempo de descanso dos problemas da vida e foco total nos problemas matrimoniais.
A partir desse momento, o filme muda completamente de tom e formato. A casa, a decoração e o ambiente que a cerca, reforçados pela trilha sonora melódica e agradável, e pela fotografia tomada por plano abertos, criam um ambiente aconchegante e acolhedor.
Nesse pequeno trecho, quanto menos o espectador de primeira viagem souber sobre o plot, melhor! Então leia por sua conta e risco.
O diretor começa a brincar com a possibilidade de existir, na casa de hóspedes, uma realidade paralela para cada um dos personagens. Ali, habita uma versão 20% melhorada (conforme é falado por Ethan) de seu parceiro, que carrega consigo tudo que o outro idealiza e sonha a seu respeito. O diretor deixa essa mudança de ares sempre bem clara. Além da mudança de roupas, mudanças físicas, como o cabelo de Sophie e a ausência de óculos em Ethan, e mudanças comportamentais, são facilmente notadas. A trilha sonora também se transforma, de maneira meio didática e descarada, em uma repetição de temas mais descontraídos e até meio infantilizados, diminuindo a carga de tensão dramática presente nas cenas que ocorrem fora de lá.
O roteiro começa a ficar mais complexo e interessante, sempre sugerindo algo que pode ser interpretado de uma forma, mas que do nada muda, graças à acontecimentos repentinos que deixam aquele que está um pouco disperso, perdido. O fato de terem a chance de “conhecer” uma versão melhorada de seu parceiro ressalta ainda mais os problemas vividos pelo casal. Inclusive, após a criação de regras para as visitas “extraconjugais” ao clone de seu marido ou mulher (a mágica só funciona quando apenas um dos integrantes entra na casa sozinho), a frase “eu te amo” vira algo frequente e vazio, presente apenas para lembrar que esse sentimento ainda deveria existir ali. A história, aqui, começa a se transformar em um paradoxo: quanto mais eles se aproximam na casa de hóspedes, mais eles se distanciam na vida real.
De agora em diante, o texto está livre dos spoilers!
As atuações sustentam o filme e impressionam na mudança completa de humor e comportamento, fazendo parecer com que outros atores entraram ali para viver determinadas cenas. Mark Duplass, que já tinha feito o ótimo filme independente Creep (2014), se sobressai. O ator consegue retratar momentos de angústia, paixão, felicidade e raiva nos momentos certos. Seu personagem é completamente racional e desconfiado, e sempre questiona e investiga quando algo lhe incomoda. Já Elisabeth Moss, que vem ganhando cada dia mais espaço no cinema e televisão graças aos seus excelentes papéis em Mad Men, Top of The Lake (que lhe rendeu um globo de ouro de melhor atriz de minissérie) e The Handmaid’s Tale (aqui, venceu o Emmy de melhor atriz de drama), também dá um show de atuação. Sua personagem é emocional e romântica, o que faz com que queira aproveitar e viver os momentos de felicidade que a vida lhe proporciona. O mérito de ambos é ainda maior ao saber que praticamente todas as cenas tiveram as linhas de diálogo improvisadas e que a química dos dois torna tudo muito real e verossímil
No geral, Complicações do Amor é um filme original, que mistura os gêneros romance, comédia, drama e ficção de maneira supereficiente – por mais que em pequenos momentos, a transição entre uma cena dramática para uma cena “engraçada” seja feita de forma meio abrupta – que consegue conquistar o espectador fazendo-o pensar. As atuações são excelentes, assim como a fotografia. No último ato, fica um sentimento de que a história poderia ser um pouco menos expositiva em certos momentos, mas é algo perdoável quando comparado com o conjunto da obra. Extremamente recomendável para pessoas que estão num relacionamento longo (sem necessariamente estar num relacionamento problemático) e para todos que gostam de filmes criativos, que fogem da mesmice dos filmes de romance genéricos tão presentes no cinema norte-americano.
**Até fevereiro de 2018, o filme estava no catálogo da Netflix Brasil.