Columbus e a arquitetura de uma inquietude silenciosa

Aprisionados, vivemos cercados por cobranças, obrigações e um sentimento de responsabilidade que sufoca. Às vezes, uma responsabilidade maior do que podemos – e devemos – ter para si, desarranjando e resumindo a nossa vida a apenas um traço de existência. Contínua, inexorável, cadente. Dar o primeiro passo rumo a uma mudança pode ser revelar algo custoso, cansativo, é como dar soco em ponta de faca. Desistimos. Prevendo a dor, às vezes nem tentamos.  São essas questões que o cineasta coreano Kogonada, em seu debut no cinema, coloca diante da protagonista de “Columbus”.

A Columbus do título fica no estado americano de Indiana, enfiada no meio oeste do Estados Unidos. Dona de uma arquitetura de vanguarda, é um ponto turístico requisitado e serve de palco para a história de Cassandra, uma jovem bibliotecária apaixonada pelos prédios e construções de Columbus. Um dia, em decorrência de uma palestra que é cancelada, ela acaba conhecendo Jin, um coreano que, por questões pessoais, se vê preso naquela cidade. Juntos, eles irão discorrer sobre a lugar enquanto Casey põe a sua própria vida sob perspectiva.

A sofisticada câmera de Kogonada segue um formalismo rigoroso, com planos longos e poucos movimentos, o que pode incomodar quem procura uma narrativa mais ágil. A verdade é que essa rigidez não só dialoga com o próprio tema da obra como vai mais além: mesmo quando desliza pacientemente a sua câmera, Kogonada indica o direcionamento sutil que a vida de Casey parece tomar dali pra frente. É a própria cinematografia ajudando a contar a história, algo raríssimo num cinema cada vez mais apegado a muletas sensoriais, com edições clipadas e trilhas sonoras onipresentes. Em “Columbus”, as linhas modernistas de sua “cidade-cenário” são um amálgama entre refúgio e revolução enfrentadas pelos seus protagonistas.

Se vendo empacada (por decisão própria) na vida que leva, Cassandra nutre relações e vivências sem grandes ambições. Todavia, se engana quem pensa que temos aqui uma personagem de conformismo unidimensional: Casey, como Cassandra gosta de ser chamada, vive uma luta interna e constante: almeja a mudança, mas se sente algemada pelas circunstâncias. É uma personagem ambivalente e repleta de nuances defendida com graça por Haley Lu Richardson (Fragmentado). Richardson consegue transpor toda a agonia silenciosa de Casey de forma delicada mas impressionante, numa performance contida mas que pulsa e assombra por ser tão verdadeira. Casey é, sem dúvidas, uma das protagonistas mais ricas, plausíveis e fascinantes que o cinema entregou esse ano. Uma grata surpresa.

Tamanha a maturidade de Richardson na liderança do elenco poderia apagar os demais nomes. Não é bem isso o que acontece. John Cho (o Hikaru Sulu do reboot de “Star Trek”) é um coprotagonista interessante e que possui os seus conflitos, apesar de ser o arquétipo do homem moderno: workaholic, encontra no excesso de trabalho o seu próprio esconderijo para latentes mágoas familiares. A sensibilidade de Cho, entretanto, evita que o seu Jin derrape no clichê. Já Parker Posey, numa participação pequena mas importante, tem uma presença absolutamente fabulosa.

Elogiadíssimo no festival de Sundance, “Columbus” uma grata surpresa. Delicado, o filme versa sobre divagações tão íntimas quanto inquietantes, utilizando a arquitetura como uma espécie de metáfora edificante, mas sem resvalar na autoajuda picareta. Pelo contrário: é uma obra sincera e pungente, encabeçada pela performance magnética de sua protagonista. É impossível não torcer pela Casey, não torcer por ela, não chorar com ela. E, a julgar por essa auspiciosa estreia, Kogonada é um nome a ser acompanhado de perto.