Do meio do peito da América Latina, o país de pouco mais de 3 milhões e meio de habitantes se destaca com a sua produção audiovisual vagarosa. Podendo ser considerado um dos poucos países de autênticas e ousadas mentes inventivas, fazer com que mensagens virem cor e movimento de intensa subjetividade e poucos exageros não passa perto de ser um desafio. Sem muita atração para o próprio uruguaio e a criação de próprias telas nacionais, é um país que sustenta o seu lançamento artístico no cinema para grandes produtoras internacionais. E vislumbrando o mundo, o cinema uruguaio o conquistou com suas incisivas retratações. Mas calma, este texto não anunciará até o final mais nenhum filme de produção do país que tenha ganho mais um destes festivais por aí.
Se é possível fazer uma linha do tempo esboçada do que representa o cinema uruguaio na história do audiovisual latino-americano, o ano 2000 é onde foi queimada a largada. A florescência das técnicas europeias na modernidade audiovisual do país renderam não só produtos únicos até hoje, mas também mudaram a forma de se fazer cinema no Uruguai. O trato minimalista de produções como A Demora (2012) ou Uma Noite Sem Lua (2014) possuem a técnica recente e apurada construída durante quase duas décadas de experimentalismos e chutes na trave. No entanto, em época de copa, o Uruguai também pode ser lembrado pela história política, seus bucólicos interiores e pela sua maior paixão: o futebol.
Este texto faz parte de um especial da Cinematologia para a Copa do Mundo de 2018. Para conhecer um pouco mais o cinema de alguns dos países participantes, indicaremos produções, atores e diretores que fizeram história dentro e fora do território nacional.
Pablo Guillermo Stoll Ward
Pablo Stoll era um estudante de jornalismo que ensaiava o futuro trabalho como um hobbie na época de faculdade. Conheceria no ambiente acadêmico o ambicioso Juan Pablo Rebella, e no final de 1998, formariam a dupla que sedimentaria o lado uruguaio de fazer cinema para todo o resto do mundo. Isolando alguns numerosos curta-metragens que nunca vieram a público, Pablo e Juan iniciariam com Victor y los elegidos a competir em pequenos festivais de roteiro locais. Só seria com o clássico 25 Watts (2001) e mais tarde com Whisky (2004), que o método de ambos os cineastas teria repercussões indiscutivelmente internacionais.
A importância da Control Z, produtora criada por ambos, transformaria o cinema nacional em meados de 1999 em um modelo de possibilidades binacionais. Se tornaria em posteridade o que hoje é uma lei de incentivo presente na maioria dos países pequenos da América Latina. Exportando obras audiovisuais em cooperatividade com diretores e roteiristas estrangeiros, os uruguaios conceberam alguns títulos como o denso Plata Quemada (2000) e o clássico O Banheiro do Papa (2007).
25 Watts (2001)
O filme estreou no dia primeiro de junho de 2001 no Uruguai. Dirigido por Pablo Stroll e Juan Pablo Rebella, pioneira dupla de roteiristas da nova geração de cinema uruguaio do século XXI, foi sem dúvida a alavanca para toda as peculiares produções que viriam no seguir dos anos. Isto pois, tendo um dos roteiros mais impecáveis do cinema latino-americano, 25 Watts conquista um mesmo público-alvo acidental desde a sua chegada nas grandes telas em 2001.
Retratando a vida de três jovens uruguaios, o filme progride durante uma totalidade ora guia da história, ora sem rumo, de 24 horas. A construção da história pela dupla de diretores mira em um retrato periférico pouco retratado no cinema do país até então. O preto e branco e as passagens silenciosas entre e dentro da maioria das cenas faz pausas históricas dentro do ensaio sobre o minimalismo que mais tarde seria o conhecido fenômeno do minimalismo uruguaio.
Maracanã (2014)
Maracanã é com certeza um daqueles filmes que todo mundo precisava ter visto na escola ou em uma aula de sociologia. A produção uruguaia de 2014 é uma ode da direção ao fatídico 16 de julho de 1950. A data seria eternizada como o dia em que o Brasil, grande potência das copas e do futebol latino-americano, seria derrubado por um 2 a 1 pela equipe uruguaia de futebol. O esporte não seria uma paixão nova desde então: era original.
O documentário de Andrés Varela (Mundialito) e Sebastián Bednarik (Cachilla) acompanha o antes, durante e depois do ponto de vista de diversos profissionais que fizeram a copa de 50. Jornalistas, técnicos e jogadores misturam argumentos e opiniões sobre a data que refletiria para a história a vulnerabilidade da seleção brasileira de futebol. Longe da invencibilidade e tão próxima de seu grande nemesis pelos próximos anos, a vergonha estamparia uma grande nação e glorificaria uma minúscula.
Discutindo a passagem do tempo e os efeitos da vitória de um país sobre o outro, o documentário viajava com uma fluidez impressionante pelos momentos decisivos da partida e os minutos inacabáveis do dramático 1 a 1 que teriam seu silêncio eternizado. Uma grande lembrança do audiovisual para as copas seguintes. A de 2018, na Rússia, pode contar com uma ameaça uruguaia que jamais existira em campo e nas telas.