Cinematologia na Copa – Polônia

A Polônia é um dos países que possui mais afinidade com o cinema do que se possa imaginar, mesmo com todos os males que sofreu durante a história, ela é uma das nações mais tradicionais em relação a sétima arte, produzindo obras que serão lembradas eternamente. E a sua história não se inicia com Roman Polanski ou Andrzej Wajda, e sim um pouco antes dos irmãos Lumière começarem a produzir seus primeiros filmes.

Kazimierz Prószynski

No ano de 1894, o inventor Kazimierz Prószynski inventou e patenteou uma câmera capaz de filmar chamada pleógrafo, como se fosse uma versão anterior ao cinematógrafo dos irmãos Lumière, tendo inclusive filmado o primeiro filme polonês da história: Slizgawka w Lazienkach (Skating-rink in the Royal Baths), no ano de 1902.

Ainda nesse período, vale destacar um dos mais importantes cineastas do início do cinema polonês: Wladyslaw Starewicz, que apesar de seu sucesso na Rússia e Letônia, foi autor de célebres obras que mostravam os problemas sociais desse período na Polônia, além de ser um dos precursores da animação em stop motion. Alguns dos filmes mais importantes da sua carreira são: Mest’ kinematograficheskogo operatora (The Cameraman’s Revenge), de 1912, Strekoza I Murave (The Grasshopper and the Ant), de 1913 e The Tale of The Fox, de 1930, que é considerada sua obra-prima, porém só foi lançada no ano de 1938.

Wladyslaw Starewicz

Apesar disso o cinema polonês teve seu florescimento a partir do fim da Primeira Guerra Mundial, quando adquiriu a tão sonhada independência, vivendo uma época de paz durante o período entre guerras, conseguindo fomentar um pouco a indústria nacional com o surgimento de novos artistas. Destaque para a atriz Pola Negri, estrelando diversos filmes poloneses e alemães antes de fazer a troca para Hollywood no ano de 1921, se tornando uma das grandes estrelas do cinema mudo, além de ser conhecida pelos seus romances com Rodolfo Valentino e Charles Chaplin.

Pola Negri

E ainda durante esse período entre guerras foram produzidas diversas obras que se tornariam conhecidas na época, como Cham, de 1931, dirigido por Jan Nowina-Przybylski, Yidl mitn Fidl (Yiddle With His Fiddle), de 1936, co-dirigido por Joseph Green e Jan Nowina-Przybylski, e Der Dibuk (O Dybbuk), de 1937, dirigido por Michal Waszynski. Vale ressaltar que durante esse período os filmes foram realizados na língua iídiche por esses cineastas de origem judaica, um pouco antes da Polônia ter sido invadia pelos nazistas, fato este que fez a cultura polonesa sucumbir, bem como se vê nos livros de história.

A invasão nazista na Polônia durante a Segunda Guerra Mundial resultou na execução de seis milhões de poloneses, sendo que três milhões eram judeus, tendo ainda grandes nomes do começo do cinema polonês que foram executados, como o diretor e roteirista Henryk Szaro, que foi assassinado a tiros no Gueto de Varsóvia, e Kazimierz Prószynski, o inventor do Pleógrafo, que foi preso pela Gestapo durante a guerra e morreu no campo de concentração de Mauthausen.

Além disso, pode-se afirmar que o genocídio na Polônia também foi cultural. O chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbels, afirmou na época que o país não merecia “ser chamado de uma nação cultural”, exercendo toda a sua influência para abolir qualquer meio que incrementasse a cultura, fechando universidades, bibliotecas, teatros, museus e cinemas, ou permitindo apenas a entrada de alemães nesses locais. Durante esse período, os filmes exibidos eram apenas sobre propaganda nazista, e todos os lucros gerados por isso iriam direto para a produção bélica alemã. Ainda na época, houve um slogan que ficou famoso no submundo polonês: “Tylko swinie siedza w kinie”, ou “Só os porcos vão ao cinema”. E é notável como essas cicatrizes ainda influenciam o cinema polonês de forma intensa até hoje.

Só os porcos vão ao cinema”

Com o fim da guerra o cinema polonês estava em ruínas, tendo que se reerguer praticamente do zero, sendo amparado pelo governo soviético, o que resultou na realização de diversas obras do período sobre propaganda comunista. Um dos diretores mais célebres desse período foi Aleksander Ford, um grande entusiasta do regime soviético que também se alistou no Exército Vermelho, dirigiu o filme Piatka z ulicy Barskiej (Five Boys from Barska Street), no ano de 1954. Porém é no ano de 1955 que vem à tona talvez o mais importante nome do cinema polonês: Andrzej Wajda.

O diretor fez a sua estreia com o longa Pokolenie (A Generation), de 1955, um drama sobre jovens que se juntam a resistência contra a Alemanha durante a ocupação da Polônia, tendo um jovem Roman Polanski atuando antes de iniciar a aclamada carreira de diretor. Após esse filme, Wajda assinou o longa Kanal, de 1957, que mostrava um grupo que vivia no esgoto de Varsóvia enquanto o Levante de Varsóvia estava com seus minutos contados. O seu terceiro filme foi Popiól i Diament (Ashes and Diamonds), de 1958, cuja trama se passa no último dia da guerra na Europa, 8 de maio de 1945, em que o protagonista tenta assassinar um líder comunista. Esses três filmes compõe a chamada “Trilogia da Guerra”, produzidos numa época em que a censura existente era bastante rígida com os cineastas, afinal, imagine como seria produzir um filme em que um camarada comunista é alvo de um grupo de jovens poloneses nesse período?

Contudo, o diretor se sobressairia ainda mais nas décadas seguintes, ganhando a Palma de Ouro com seu longa Czlowiek z zelaza (Man of Iron), de 1981, um Oscar Honorário em 2000, além de 4 nomeações ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com os longas Ziemia obiecana (The Promissed Land), de 1974, Panny z Wilka (The Maids of Wilko), de 1979, Katyn, de 2007, além do supracitado Man of Iron. Seu último filme foi Powidoki (Afterimage), de 2016. Andrzej Wajda faleceu no dia 9 de outubro de 2016 e deixou uma vasta obra com um rico legado para a sétima arte.

Andrzej Wajda

O outro diretor polonês que se evidenciou nesse período foi Roman Polanski, aquele mesmo que atuou no primeiro filme de Wajda, que por pouco não se tornou uma das vítimas do Holocausto e hoje não teríamos o vislumbre de obras como Chinatown ou O Pianista. Apesar disso, vale ressaltar que Polanski não nasceu na Polônia e sim na França, porém sua família, sendo de origem polonesa, acabou se mudando ainda na infância para o país natal de seus pais.

O primeiro filme do diretor foi Nóz w Wodzie (Knife in the water), de 1962, cuja trama se passa dentro de um barco com apenas três personagens, tendo um clima claustrofóbico por conta de toda tensão que envolve os personagens. Foi nomeado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no mesmo ano, o que fez com que o mundo voltasse os olhos para o cinema que estava se desenvolvendo na Polônia. Entretanto, esse seria o único filme polonês de Polanski durante muito tempo, sendo que o outro seria apenas The Pianist, uma coprodução entre França, Inglaterra, Alemanha e Polônia.

A carreira de Polanski se consolidaria entre Hollywood e França, na qual ele seria diretor de aclamadas obras como Repulsion, de 1965, que traz os devaneios libidinosos da personagem interpretada por Catherine Deneuve ou Chinatown, de 1974, que traz Jack Nicholson interpretando um investigador particular que acaba se envolvendo em uma conspiração política levando a inúmeros assassinatos, até chegar em sua obra-prima, entre tantas, The Pianist, de 2002, que traz as memórias do pianista Wladyslaw Szpilman durante a perseguição judaica na Polônia na Segunda Guerra Mundial, algo que pode ser considerado um enfrentamento aos seus fantasmas na infância.

Apesar de ter uma das carreiras mais ricas da história do cinema, Polanski também é lembrado por conta do assassinato de sua esposa Sharon Tate, em 1969, realizado pelos membros da Família Manson, e por conta das acusações de assédio sexual e estupro, que infelizmente se tornariam recorrentes na sua carreira.

Roman Polanski

Além desses dois grandes nomes do cinema polonês, há um terceiro que é indispensável para a história da cinematografia do país: Krzysztof Kieślowski. O diretor consagrado por obras como “A Trilogia das Cores” obteve êxito tanto na Polônia como na França, estabelecendo sua carreira como uma das bem sucedidas, apesar de ter sido razoavelmente curta devido ao falecimento do diretor em 13 de março de 1996.

Antes de produzir o seu primeiro longa, Kieślowski se aventurou por curtas e documentários, sendo que o estilo empregado desse gênero impactaria sua obra diretamente no futuro. Na sua estreia em longas-metragens que não são documentários, Personel, de 1975, foi lançado diretamente para televisão, que conta a história de um homem apaixonado pela magia da arte, até se deparar com situações que desconstruiriam a sua visão romântica sobre ela. Porém é em 1979 que o diretor recebe a atenção merecida por sua carreira, através do filme Amator (Camera Buff), que conta a história de um trabalhador que compra uma filmadora para gravar os primeiros anos de vida de sua filha, porém cada vez mais hábil nas filmagens, ele recebe do chefe a oferta um novo trabalho: gravar o funcionamento da fábrica. Mas logo seus filmes começam a irritar o patrão.

Após esse momento em sua carreira, Kieślowski lançaria ótimos longas como Przypadek (Blind Chance), de 1987, porém é em 1988 que ele produz uma das maiores obras da história do cinema: O Decálogo, que é um conjunto de dez filmes sobre os dez mandamentos da Bíblia produzidos diretamente para a televisão. No mesmo ano, o diretor lança Krótki film o zabijaniu (A Short Film About Killing), que atingiu diretamente a esfera social polonesa, na qual houve a revogação da pena de morte no país.

Nos anos 90, o diretor concebeu os últimos quatro filmes de sua carreira, porém não menos importantes: La Double vie de Veronique (The Double Life of Veronique), de 1991, na qual duas mulheres de dois países diferentes com o mesmo nome não possuem nenhuma relação, até que em dado momento a vida de uma impacta a outra, e a famosa Trilogia das Cores, entre os anos de 1993-94, baseada nos ideais revolucionários da Revolução Francesa em conjunto com as cores da bandeira da França.

Krzysztof Kieślowski

Concomitante a época do primeiro longa de Krzysztof Kieślowski, a Polônia também produzia filmes sem toda essa carga dramática ou política. Por exemplo, Jak Rozpętałem Drugą Wojnę Swiatową (How I Unleashed World War II), de 1970, que é uma comédia que conta a história de um soldado polonês que acreditar ter iniciado a Segunda Guerra Mundial com um tiro acidental e Seksmisja (Sexmission), de 1984, em que dois cientistas são descongelados após a Terceira Guerra Mundial e descobrem que são os únicos homens em mundo só de mulheres.

Vale ressaltar que na década de 80 também teve uma cineasta que se evidenciou bastante e que continua realizando filmes até hoje: Agnieszka Holland, conhecida por seus filmes Bittere Ernte (Angry Harvest), de 1985, que foi finalista do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, porém representando a Alemanha e Europa, Europa, de 1990, indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original.

Da década de 90 até atualmente, a Polônia manteve uma ótima safra de diretores, por exemplo, Paweł Pawlikowski vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2015 pelo filme Ida, Władysław Pasikowski, autor do longa Pokłosie (Aftermath), de 2012, Krzysztof Krauze, diretor de uma das maiores bilheterias do país que foi Dług (The Debt), de 1999. Além desses pode-se citar Jerzy Kawalerowicz, Marek Koterski Juliusz Machulski.

Paweł Pawlikowski

Logo, é impossível afunilar a história extensa do cinema polonês em um único texto, visto que muitos filmes ficaram de fora e poderiam facilmente ter entrado aqui. Afinal, um país que soube transformar a tragédia histórica em arte merece ser reconhecido e ser relembrado sempre que possível.