A copa de 2018 na Rússia é apenas a 5ª Copa do Mundo da Croácia, que antes participava como Iugoslávia. Ainda que nova, a seleção croata tem um futebol consistente e é atualmente a melhor seleção das nações que constituíam a antiga República Socialista Federativa da Iugoslávia, como a Sérvia, por exemplo, que também está nesta copa. Se o futebol nacional é um reflexo da turbulenta história do país, nas artes não seria diferente. Em especial no cinema.
A história da sétima arte na Croácia começa realmente no início do século XX, mas pela defasada infraestrutura política e econômica, o país não conseguia apoiar adequadamente sua própria indústria do cinema. Os filmes eram, portanto, quase exclusivamente domínio de entusiastas amadores. Neste momento, os principais nomes do cinema eram Josip Karaman em Split e Oktavijan Miletić em Zagreb, considerado o fundador da cinematografia Croata (e iugoslava). Apenas em 1906 o primeiro cinema permanente foi construído na capital do país e durante esta época as produções exibidas eram majoritariamente estrangeiras.
Nos anos 40, a organização fascista de extrema direita Ustaše (responsável pelo genocídio de sérvios, judeus e ciganos) comandou o Estado Independente da Croácia, durante o período que a Iugoslávia era ocupada por países do Eixo. A Alemanha nazista não inspirou somente as atrocidades cometidas por essa organização, mas também a argúcia manipuladora de usar ferramentas modernas para o marketing de seu governo e ideologia. Assim, no final de 1941, após receber apoio e recursos técnicos do governo alemão e italiano, os primeiros filmes de propaganda foram produzidos.
Em 1943, o croata Branko Marjanović produziu o documentário de guerra Straža na Drini que foi editado a partir de episódios do noticiário semanal da organização fascista. O filme chegou a receber um prêmio no Festival de Cinema de Veneza, que posteriormente foi desconsiderado já que durante aquela época apenas países do Eixo o incorporaram.
Alguns técnicos e colaboradores da indústria do cinema de propaganda de Ustaše eram, na verdade, agentes duplos que trabalhavam para o Partido Comunista Iugoslavo (frente liderada por Tito, que se tornou presidente da Iugoslávia) com a tarefa principal de manter as instalações técnicas intocadas após o colapso do Estado Independente da Croácia, que aconteceu em 1945. Assim, quando Tito assumiu, o governo comunista herdou, além dos aparatos técnicos, equipe técnica treinada que incluia até mesmo diretores.
O investimento feito pelo Estado resultou no rápido desenvolvimento da indústria cinematográfica croata mesmo que, inicialmente, sob jurisdição do governo federal. Em 1947, os estúdios da Jadran Film foram fundados em Zagreb.
Toda dedicação a esta industria culmina no que se chamou de Primeira Era de Ouro do cinema Croata, no final dos anos 50. Neste período, o cinema do país começou a se destacar como o mais maduro na indústria iugoslava da época.
O maior nome deste momento foi Branko Bauer, diretor nascido em Dubrovnik cujo filme mais famoso é o thriller de guerra urbana Ne Okreći se, seno (algo como “Não olhe pra trás, filho”) de 1956.
Vagamente baseado no filme Odd Man Out de Carol Reed, o longa se passa durante o Governo fascista e conta a história de um partidário comunista que foge de um campo de concentração para retornar secretamente à sua cidade e tentar se reencontrar com o filho pequeno. Ele fica horrorizado quando descobre que o garoto cresceu em um orfanato utashi e foi criado para odiar comunistas e partidários. O herói luta para deixar Zagreb com seu filho, enquanto ilude o garoto sobre o real objetivo de sua viagem.
Entre outros filmes importantes de Bauer está Uglice (Face a Face), de 1962, que retrata o embate entre o diretor corrupto de uma construtora e um trabalhador rebelde durante uma reunião da célula do partido comunista. Este longa está entre os mais importantes da história por ser considerado o primeiro filme abertamente político da Iugoslávia.
Outra figura notável dos anos 1950 é Nikola Tanhofer. Seu filme mais famoso é H-8 (1958), uma reconstrução de um acidente de trânsito real em que vários passageiros de um ônibus intermunicipal morreram e o motorista responsável pelo acidente escapou. Seguindo em paralelo três veículos e repleto de cenas pitorescas, H-8 oferece uma imagem mosaica da sociedade no final dos anos 50 e sua dramaturgia se assemelha a filmes de desastre – até então inexistentes.
Durante a Era de Ouro, dois filmes croatas foram indicados ao Oscar na categoria de Melhor Filme de Língua Estrangeira (ou apenas Melhor Filme Estrangeiro), ambos dirigidos por convidados do exterior: o italiano Giuseppe De Santis (Cesta duga godina dana, 1958) e a eslovena França Štiglic (Deveti krug, 1960).
Durante a década de 60, o cinema croata abraça a estética modernista e produz mais alguns clássicos. Entre os mais significativos está Rondo (1965), de Zvonimir Berković, e Breza (1967) de Ante Babaja. O maior nome desta década é Krešo Golik, diretor de comédias. O mais popular de seus filmes foi Tko Pjeva Zlo Ne Misli (1970), uma comédia romântica ambientada na Zagreb de 1930.
O responsável por estrear essa linguagem foi Vatroslav Mimica com Prometej s otoka Viševice em 1965. Com técnicas inspiradas do romance de fluxo de consciência, Mimica conta a história de um veterano partidário e executivo comunista que viaja para sua ilha natal e precisa confrontar fantasmas de seu passado.
A boa era do cinema acabou após o que chamou-se de primavera croata, um movimento que lutava por maior liberdade política e cultural para a Croácia, mas que resultou apenas no estreitamento do controle por parte do Estado. Esta censura influenciou na indústria e contribuiu para a queda de qualidade dos filmes, o que se prolongou durante a maior parte da década de 70.
Nos anos 80, a sétima arte tomou fôlego com o chamado neo-gênero, obras de diretores que usavam gêneros comerciais ocidentais como terror, suspense, etc, e o implementavam em ambientes sociais tecendo críticas políticas e culturais. O autor mais famoso dessa tendência é Zoran Tadić, especialmente com seu thriller metafísico em preto e branco Ritam zločina (Ritmo do crime, tradução livre) de 1981 e o terror Treći kljuć (A terceira chave, tradução livre) de 1983, que discute o problema da corrupção através de uma metáfora meio kafkiana.
Quando a Croácia se tornou independente na década de 90, a cinematografia sofreu outra crise difícil. Devido às guerras, o mercado de filmes croatas encolheu, a maioria dos cinemas fechou e nenhum financiamento era viável. No período do governo de Franjo Tuđman, o governo evitou a censura direta, mas exigiu mais conteúdo nacionalista, tornando-o menos acessível não apenas para audiências em outros países, mas também na própria Croácia.
Após uma série de mudanças políticas em 2000, o cinema croata refloresceu no que tem sido chamado pela crítica especializada de Terceira Era de Ouro (depois das décadas de 1950 e 1960). Um dos autores mais populares do cinema croata contemporâneo é Vinko Brešan, cujas comédias Kako je počeo rat na mom otoku (Como a guerra começou na minha ilha, em tradução livre) de 1997, e Maršal de 1999, misturam humor grotesco e provocações políticas.
O longa Ta Divna Splitska noć (Uma noite maravilhosa em Split, tração livre) de 2004 por Arsen A. Ostojić recebeu uma indicação para o prêmio European Discovery EFA e Tu (Aqui) de 2003 por Zrinko Ogresta foi premiado no Festival de Cinema de Karlovy Vary .
Entre outros ilustres diretores contemporâneos, o mais reconhecido internacionalmente é Ognjen Sviličić, cujos dois filmes estrearam no Festival de Berlim: Oprosti za kung fu (2004) e Armin (2006). Armin também foi a candidata da Croácia para o Oscar de 2008, e apesar de não ter sido indicado pela Academia, recebeu o prestigiado prêmio de Melhor Filme Estrangeiro de 2007 concedido pela Federação Internacional de Críticos de Cinema.
Atualmente, o cinema croata produz entre cinco a dez longas-metragens por ano. O Ministério da Cultura também financia aproximadamente 60 minutos de animação por ano, além de documentários e filmes experimentais, que têm maior prestígio cultural na Croácia do que em outros países da ex-Iugoslávia. A freqüência dos cinemas nacionais é de 2,7 milhões de ingressos comprados por uma população de cerca de 4,5 milhões.
Linguista, feminista, comunista de Iphone e debochada. Acredito que todo desentendimento é causado por confusão semântica e que 90% dos conflitos humanos podem ser resolvidos com diálogo. Especialista em procrastinação, melancolia e overthink.
Formei-me em Letras e no Cinema busco esquecer.