Dark, da Netflix, é uma das mais novas produções audiovisuais alemãs que fez a cabeça dos brasileiros. No cinema, diferentemente das séries, é mais numerosa essas produções germânicas que tem sucesso ao ponto de ganhar destaque em meio a hegemonia dos filmes de língua inglesa. Dentre os mais recentes estão Adeus, Lenin (2003), Edukators (2004) e A Onda (2008). Considerados (já) clássicos “cult”, é interessante perceber que todos, apesar dos comentários políticos presentes, na Alemanha, são filmes mais comerciais ao contrário do que são, por exemplo, os filmes da Escola de Berlim.
Corra, Lola, Corra de 1998 colocou a Alemanha no mapa do cinema comercial e, portanto, é um marco para a internacionalização do cinema alemão no começo da década de 90. Porém, na contramão desta tendência começava outro movimento um pouco menos conhecido do grande público a que se chamou Escola de Berlim.
Advindos da Academia de Cinema e Televisão de Berlim, que passou por uma reformulação na década de 90, e, convidando cineastas experimentais para lecionar, tornou-se um ponto de encontro para pessoas que queriam fazer cinema, os cineastas dessa escola eram intelectuais que tinham como ambição reeducar o olhar do espectador.
Um dos primeiros filmes do movimento é Pilotinnen de 1995 do diretor mais exponencial da Escola, Christian Petzod. Um filme feito para TV (curiosamente a televisão teve uma papel importante para os cineastas desse estilo) que conta a história de uma jovem que mora nos subúrbios e junta dinheiro para um dia viajar até Paris e lá morar.
A abordagem da vida ao rés-do-chão é comum da Escola, os longas costumam narrar o cotidiano e trazer questões sociais para o microcosmo da vida familiar e compor, a partir deles, motivações e emoções individuais dos personagens. São recorrentes personagens constantemente em fuga, seja de um modo de vida, seja de uma situação, e a figura do imigrante nas histórias, que acentua a questão da identidade, uma grande discussão para os intelectuais e cineastas alemães contemporâneos.
São filmes mais introspectivos, com uma estilística visual-narrativa, planos longos, poucos cortes, diálogos curtos e trilha sonora escassa. Os filmes direcionam o olhar da plateia à personalidade dos personagens. O tempo dramático muitas vezes segue o tempo real (por isso os planos longos), o que produz um ritmo parecido com ritmo de documentários. São filmes “secos” e que não apresentam alternativas para os problemas que retratam e as conclusões, quando não abertas, são tristes. Isso tudo acentua o caráter observacional pretendido pelos cineastas e dissolver um pouco os exageros comuns do cinema do país.
Ao contrário de seus precursores do Novo Cinema Alemão, a Escola de Berlim não aponta um caminho de resolução para os problemas que retrata.
Com influência da Nouvelle Vague francesa, os diretores do Novo Cinema Alemão, que surgiu na década de 60, acreditavam que filmes deveriam ser uma fonte de disseminação de ideias e filosofias que desafiavam a ordem. Visavam demarcar novos campos estéticos e ideológicos e iam contra as ambições dos estúdios.
Exemplos desse movimento são O Assado de Satã (1976), O Casamento de Maria Braun (1978) e O Desespero de Veronika Voss (1982), todos de Rainer Werner Fassbinder, o maior nome dessa geração de cineastas.
O cinema radical que esse movimento propunha era em relação às velhas e desacreditadas obras comprometidas com o nazismo. Durante o nazismo, o cinema foi um forte aliado do governo para sua propaganda fora e dentro do Terceiro Reich.
A cineasta Leni Riefenstahl foi a mais importante diretora dentro desse nicho. Apesar de ligada a essa mentalidade ultranacionalista assassina, Leni foi muito influente para a história do cinema mundial inovando na linguagem de documentários ao desenvolver novas estéticas com novos ângulos de câmera, enquadramentos, edições avançadas e ótimas técnicas de movimentação de massas. Os exemplos mais primorosos desse casamento entre a ideologia fascista e técnica impecável são O Triunfo da Vontade (1935) e Olympia (1938).
Os filmes, tanto documentais e ficcionais, tinham uma estética romântica que remetiam ao belo. Essa estética começou antes do nazismo se consolidar com a vitória do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, de Hitler e rompia com o movimento da Nova Objetividade.
A Nova Objetividade foi um movimento curto que tem seu marco no lançamento de Metropolis. Metropolis, dirigido por Fritz Lang, é um filme de 1927, momento em que a Alemanha já vinha se recuperando das mazelas deixadas pela derrota da 1ª Guerra Mundial.
O terror, que marcou o movimento Expressionista, sumia dando lugar a um otimismo a muito tempo não visto na sociedade alemã com a industrialização do país. Apesar de menos sombrio, esse processo de industrialização mostrava-se uma faca de dois gumes agora que o obscurecimento ia ganhando forma de máquina.
A nova objetividade propunha recortes mais realistas e o longa proporciona isso, como suas críticas contundentes à sociedade de classes. Ao mesmo tempo o medo proeminente das máquinas é condizente com a abordagem do expressionismo. O mais curioso é que a Nova Objetividade foi um movimento nascido em contraposição ao cinema expressionista.
Os medos demonstrados pelos expressionistas migram da decadência moral escancarada pela derrota da guerra e as mazelas sociais que dela foram consequência. O movimento descaracterizava o belo e abordava a loucura e interiorização. Tinha uma abordagem pessimista sobre a inadequação da realidade e a dor. Não à toa que os filmes expressionista foram, em sua vasta maioria, filmes de horror.
Dentre os mais influentes e populares do movimento, estão Nosferatu de 1922 e O Gabinete do Dr. Caligari de 1920.
O Gabinete inovou nas experimentações com luz e sombra e perspectivas distorcidas. Além das inovações estéticas, é considerado um dos primeiros filmes com final plot twist e um dos primeiros a usar o recurso de flashbacks.
O expressionismo foi um marco na história alemã ao colocar seus filmes no circuito internacional, já que eram vendidos por preços baixíssimo devido a crise econômica pós-guerra. A dificuldade financeira do país também impedia a compra de muitos filmes estrangeiros, o que fortaleceu o cinema e a cultura cinematográfica local. Esse fortalecimento é indubitavelmente responsável pela grande fortuna cinematográfica que veio da Alemanha, e que aqui foi abordada de forma singela. Sorte do cinema mundial. Quem ganhou fomos nós.
Linguista, feminista, comunista de Iphone e debochada. Acredito que todo desentendimento é causado por confusão semântica e que 90% dos conflitos humanos podem ser resolvidos com diálogo. Especialista em procrastinação, melancolia e overthink.
Formei-me em Letras e no Cinema busco esquecer.