Nesses últimos dias saiu uma entrevista do diretor Bernardo Bertolucci em 2013 confirmando a fatídica cena da manteiga em O Último Tango em Paris: foi realmente um estupro. “Eu não queria que Maria interpretasse a raiva e a humilhação. Queria que ela as sentisse”, diz o diretor na entrevista. A atriz Maria Schneider (com apenas 20 anos na época), sempre afirmou que sofreu um estupro por Bertolucci e por Brando e sempre foi desacreditada. Foi necessária a viralização de um vídeo com as palavras do diretor para que ocorresse a transformação da mentira em verdade, com 34 anos de atraso. Fica aqui uma reflexão para cada um repensar sobre machismo.
Primeiramente, escrevo isso não para defender o diretor, Brando, ou qualquer outro envolvido nesse ato doloroso, escrevo isso para separar a pessoa do cineasta, sem utilizar o caráter moral para analisar seus filmes.
Acho que muitos como eu consideram O Último Tango em Paris um clássico do cinema e ficaram igualmente chocados na cena da manteiga. Apesar de sempre haver duvidas sobre essa cena (que agora foi confirmada), nunca foi desmerecida como obra de arte. Mas será que violência sexual gravada pode ser considerada arte? Ou será que foi um meio para fazer a arte? Novamente, não esquecendo que é um estupro.
É importante frisar que não foi o único caso e nem um caso isolado no meio cinematográfico. Podemos citar outros célebres diretores envolvidos em casos assim, como Roman Polanski, Woody Allen, Charles Chaplin, Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick.
Novamente, são grandes diretores com trabalhos eternos em suas filmografias, afinal é muito difícil para qualquer pessoa apaixonada pela sétima arte nunca ter visto ou ouvido falar deles. É impossível alguém nunca ter visto ou ouvido falar de Laranja Mecânica, Psicose, Tempos Modernos, O Pianista, A Rosa Purpura do Cairo. Mas a que ponto esses grandes artistas passam de inventores de obras para seres desumanos? Será que um justifica o outro? Tudo em nome da arte?
Citarei dois exemplos dentre esses tantos, um para alcançar a arte e outro fora dos bastidores. O primeiro é o caso entre Stanley Kubrick e a atriz Shelley Duvall, nas filmagens de O Iluminado, que, convenhamos, é uma obra prima de terror. Para se ter uma ideia, Kubrick manteve a atriz isolada, cortou varias cenas em que participava e a obrigou a repetir a cena em que tenta se defender de Jack Nicholson com o taco de basebol por 127 vezes. Sim, 127 vezes a mesma cena. É visível o desgaste da atriz no decorrer do filme. Se colocar a cena inicial em que ela aparece com a cena final dela, é gritante a diferença da aparência do personagem. Novamente, vale tudo pelo bem maior da arte? Será que se o espectador do filme souber mudará a opinião sobre o filme?
O caso de Polanski foi ainda mais grave, mas não resultou em nenhum filme. Em 1977 ele estava fotografando uma aspirante a modelo de 13 anos, Samantha Geimer, e estava insatisfeito com as fotos. Ele mudou o cenário para uma banheira, ofereceu um champanhe e uma droga sedativa. Logo após isso, sugeriu que ela tirasse a calcinha, e, em seguida, a estuprou. E o caso veio a tona novamente em 2009, quando Polanski foi preso na Suíça e os Estados Unidos pediram sua extradição por conta disso. Sim, é o mesmo Polanski, diretor de O Pianista, O Bebe de Rosemary, Repulsa ao Sexo, Chinatown e outros grandes filmes. Seguindo a linha do mesmo raciocínio até agora, vamos supor que ele fosse condenado por esse caso e fosse preso. Será que existiria O Pianista? Vale a pena deixar alguém que comete o ato de estupro livre pelo nome da arte?
Isso é pra ficar apenas nesses dois casos, Allen com uma carreira invejável já foi acusado de abusar sexualmente da filha de uma ex-namorada, de apenas 7 anos. Hitchcock perseguia a atriz Tippi Hedren, os bastidores de Os Pássaros deixa isso bem explicito.
Enfim, são muitos casos de machismo e misoginia dentro da industria cinematográfica, desde diferenças de salários entre homens e mulheres até casos mais graves como esses, de perseguição a estupro. Sabemos que Hollywood é um grande esgoto com uma elite esnobe, mas é inegável dizer que são produzidas diversas obras de artes por diversas mentes. A questão chave é a seguinte: Para fazer arte, deve haver um limite? Se sim, qual será ele? O limite é quando atinge o psicológico ou o físico da pessoa? Será que o gênero diverge o limite entre ator e atriz? Grandes mentes tem passe livre para fazer o que quiserem?
Deixando claro que estupro é um ato deplorável por parte de qualquer ser humano em qualquer situação, escrevo isso não para defender nenhum desses casos ou pessoas envolvidas, e sim separar a pessoa do artista, levantando a ideia de que em qual ponto deixa de ser arte e passa a ser um crime.
Apaixonado por cinema, amante das ciências humanas, apreciador de bebidas baratas, mergulhador de fossa existencial e dependente da melancolia humana.