And The Oscar Goes To: Três Anúncios Para um Crime

 

Uma mãe em busca de justiça. Um policial extremamente violento. Um delegado que tenta lidar com uma terrível descoberta sobre si mesmo.  Num primeiro olhar,  a descrição dos três principais personagens de Três Anúncios Para um Crime não desperta tanta curiosidade. Mas quando os créditos sobem na tela, após quase duas horas de filme, é possível compreender os elogios sobre o novo trabalho do diretor e roteirista Martin McDonagh, que estava afastado do cinema desde 2013, quando lançou o discreto Sete Psicopatas e um Shih Tzu.

Premiado no Globo de Ouro 2018 e no 24º SAG Awards, o longa narra o drama de Mildred Hayes (Frances McDormand), que pede justiça pelo brutal assassinato de sua filha, Angela. Como forma de chamar a atenção da mídia e da população da cidade, ela aluga três outdoors em uma estrada quase abandonada, onde deixa uma mensagem culpando os policiais locais, que foram incapazes de solucionar o caso.

Apesar da premissa aparentemente simples, a maior cartada de Três Anúncios Para um Crime talvez seja arriscar no revezamento entre o drama e o humor negro. O enredo é como a iguaria Romeu e Julieta. Ora sentimos o gosto salgado do queijo, ora sentimos o gosto doce da goiaba. Em uma cena específica, por exemplo, temos uma sucessão de acontecimentos cômicos, que são seguidos de uma discussão violenta, logo suavizada novamente com a aparição de uma personagem e, finalmente, concluída com uma troca de desabafos e conselhos dolorosos. E essa dança entre lágrimas e risos e fúria e afeto é conduzida de maneira magicamente orgânica.

Ter um roteiro que flui tão naturalmente não é o suficiente para humanizar uma ficção. Também é preciso boas peças para a trama deslizar sobre a água, sem afundar. Nessa questão, o filme de McDonagh gabarita. A atriz Frances McDormand exibe uma das melhores atuações de sua carreira. Ela consegue ser durona e vingativa, sem perder a sensibilidade e o medo. É uma personagem de muitas facetas. No decorrer do longa, apoiamos algumas de suas atitudes, mas condenamos outras. Em seu interior, há uma mistura entre mocinha e vilã.

Os atores Woody Harrelson e Sam Rockwell (que já trabalharam com o diretor em 2013) também honram o excelente elenco. Embora tenham menos tempo em tela que a protagonista, entregam interpretações memoráveis. Jason, personagem de Rockwell, é racista, violento e idiota , mas isso não o impede de pintar como um anti-herói em busca de redenção, pois entendemos sua desvairada personalidade devido ao papel de sua mãe, que exerce forte influência sobre seus atos. Já Harrelson, incarna o delegado Bill, um pai de família que de vez em quando cumpre a função de mentor da trama, embora também tenha seus momentos de descontrole. Os dois, juntamente com Frances, executam uma dinâmica impecável em tela. Parece que trabalham juntos há anos. Quem agradece essa sinergia é o espectador.

A base do texto, que serve para encadear os três personagens, se debruça sobre o ódio e a necessidade de encontrarmos um culpado para os nossos problemas – aquele que pagará a conta. A mídia, inclusive, é vista como uma fomentadora desse sintoma,  ao apontar de forma parcial  os possíveis culpados.  No entanto, o diretor não tem o intuito de condenar ou apoiar totalmente essa liberação de fúria dos personagens. Não há uma resposta definitiva. E essa interrogação flutua até a conclusão da obra, deixando um final aberto para mais de uma interpretação – o que é ótimo.

Em suma, Três Anúncios Para um Crime é um delicioso ensaio sobre a raiva e suas consequências, um tema muito presente em nossas vidas e digno de discussão nos dias atuais.