Nota do Filme:
Depois de fracassar na missão de unir a mitologia criada por Zack Snyder com Liga da Justiça, a DC propôs uma nova tentativa. Adão Negro já nasce incumbido de reanimar os fãs do universo e, de quebra, ainda traz um personagem que os amantes dos quadrinhos da empresa queriam ver nas telonas há muito tempo. Protagonizado por Dwayne Johnson, o longa aposta na ação em grande escala para atrair tanto o público cativo quanto aquele mais casual, mas as tentativas de construir uma narrativa coesa e interessante terminam falhando e Adão Negro passa longe de ser o filme que os fãs tanto aguardavam.
É natural que o início do longa se dedique a explicar a origem do personagem, que não é lá tão conhecido. Nele, descobrimos que o campeão Teth-Adam (Dwayne Johnson) foi responsável por livrar o povo de Kahndaq da escravidão depois de ter herdado os poderes de SHAZAM. Cinco mil anos depois, ele é desperto de sua tumba por Adrianna (Sarah Shahi), que acredita que o deus é o único capaz de livrar a cidade de mais uma era de dominação estrangeira. Por outro lado, Amanda Waller (Viola Davis) vê Teth como uma ameaça e designa a Sociedade da Justiça para eliminá-lo.
O comentário anti-imperialista surpreende e acaba sendo a parte mais interessante do filme, que é dirigido pelo veterano Jaume Collet-Serra, de filmes como A Órfã e Sem Escalas. É bastante moderno ver super-heróis americanos serem mandados até o Oriente Médio para “defender” a população de um deus que acaba de livrar estas mesmas pessoas de um exército também americano que os mantém numa rígida ditadura. A escolha por essa abordagem é tão irônica que acaba ficando no espectador uma sensação estranha de que a história está se auto sabotando. Da forma como é construído, o personagem de Teth é muito mais interessante que qualquer outro da Sociedade da Justiça, porque então ele não pode ter o filme só para si?
É possível que o incômodo se dê, principalmente, pela falta de foco. Adão Negro tem um roteiro confuso, que não sabe que história quer contar. Além do objetivo óbvio de dar um pontapé na construção do universo DC, o longa cria conflitos em excesso e reúne os personagens mais insossos para, no fim, satisfazer o público apenas com uma cena pós-créditos. Existe coisa demais sobrando e não satisfaz nem um pouco ver o filme perder tempo com um conflito entre superpoderosos tão mal-acabados. Falta desenvolvimento de personagem e motivações sólidas o suficiente para que a ação não seja tão gratuita como foi.
A direção de Collet-Serra é outro ponto alto. Aliada a uma montagem ágil e eficiente, a forma como o diretor conduz as cenas de ação lembra o trabalho de Snyder, mas sem perder a própria personalidade. É verdade que lá pelas tantas, a câmera lenta e as explosões se tornam repetitivas, mas certas revelações na história acabam dando uma arejada muito bem-vinda, mesmo num roteiro carecido de foco. Ao tentar ser um feijão com arroz bem feito, Adão Negro se perde quando subestima o poder da história de seu protagonista e resolve dar atenção a outros personagens para, no final, não conseguir sustentar nenhum deles.
Tem vilão com uma desculpa esfarrapada para odiar Teth-Adam, um grupo de heróis que só chega para atrapalhar, romancezinho meia-boca e totalmente despropositado, personagem sobrando sem ter o que fazer em cena. Não existe muito limite na hora de inventar desculpa para encher linguiça e, no caso de Adão Negro, nem vista grossa consegue deixá-lo menos confuso. Teria sido muito bom se o longa tivesse se aprofundado nos conflitos pessoais do próprio protagonista, já que a contradição entre ser herói ou vilão é, por si só, bastante interessante. Mas, infelizmente, faltou coragem para explorar esse contexto, seu grande diferencial. Sem ele, o filme opta por convenções do gênero e acaba sendo mais do mesmo.
As atuações são operantes, mas incomoda o humor fora de hora de alguns personagens (culpa do tom absolutamente irregular por parte da história). O que chama atenção mesmo, como esperado, é a atuação de Dwayne Johnson, que já vinha há tempos tentando tirar o projeto de Adão Negro do papel. Além de protagonista, ele tem o arco mais interessante da trama e sua fisicalidade é imprescindível para a construção do personagem. Porém a falta de expressão por parte do ator fica no limite entre a falta de talento e a composição do poderoso campeão. A atuação até incomoda, mas diante de outros furos, não chega a ser o ponto mais baixo do longa.
Adão Negro, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (20/10), satisfaz os fãs sedentos por muita ação e uma cena pós-créditos empolgante, mas passa longe de ser merecedor dos dilemas de caráter que envolvem a história de Teth-Adam. Conseguimos perceber a vontade do filme de trazer uma história simples e direta, mas as falhas minam qualquer tentativa e o projeto se torna muito aquém do que poderia ser.
Jornalista viciada em recomendar filmes e revisora de textos recifense que vive escrevendo sobre cinema nas horas vagas.