“Os olhos são a janela da alma e o espelho do mundo”. Uma afirmação forte sobre os dois globos oculares que permitem o ser humano a enxergar. Através deles conseguimos ver o mundo ao nosso redor, além de haver a possibilidade de se desenvolver as habilidades de contemplação, observação e até transmitir emoções com simples movimentos.
E no longa argentino, esse mistério sobre o que meros olhares podem entregar é o que permeia a narrativa que irá culminar com um final arrebatador por conta disso. Apesar disso, o título do filme, independente de qualquer tradução, não consegue fazer jus aos 129 minutos de duração, dando a impressão de que não haveria como comprimir essa experiência em algumas poucas palavras.
Ademais, o filme por si só é bastante simples, sem grandes chamarizes, com exceção de Ricardo Darín, não apela para reviravoltas baratas e nem para um exagerado plot twist em seu final para surpreender a audiência. O que conquista o espectador é a forma que as pessoas se relacionam em volta do caso policial que chocou a todos, e a maneira que as reações são demonstradas.
A trama, em suma, conta a história do personagem de Darín, um ex-oficial de justiça que se aposentou e quer escrever um livro, porém para se inspirar ele se baseia em um caso real que participou: um estupro seguido de morte da jovem Liliana.
Com isso, ele volta a se lembrar do caso, entrando em contato com o passado, se encontrando com as pessoas que estavam envolvidas durante o período, entre elas a sua chefe, Irene, por quem ele nutre uma paixão reprimida, seu amigo Pablo, um alcoólatra que possui total consciência de sua doença, Ricardo, o ex-namorado da vítima e Isidoro Gómez, o assassino.
Darín, cujo seu personagem chama-se Benjamín Espósito, é o elemento provocador da narrativa. Através dele que têm-se os momentos de tensão do núcleo, como quando nas inúmeras vezes que ele e Irene tentam romper com a aura sexual entre eles e se declararem um para o outro, tendo a recusa sendo dita sem nenhuma palavra, apenas um leve aceno dos olhos, ou um olhar mais pesaroso.
Além disso, a dinâmica entre Espósito e Pablo é mais um ponto delirante, desde o momento em que Darín confronta seu amigo no bar sobre os motivos dele frequentar aquilo todos os dias, na qual Pablo apenas olha para seu amigo com um tom de melancolia, respondendo-o que aquilo é a paixão dele e que não poderia ser feito nada, comovendo a todos pelo leve tom de aflição não presente nas palavras, tendo o ápice desse sentimento na hora de sua morte, na qual ele está bêbado no apartamento de Benjamín e acabou se deparando com assassinos de aluguel contratados para matar seu amigo, se sacrificando por ele.
Contudo, quando Espósito e Gómez estão em tela, a atmosfera é modificada totalmente. Os dois encenam algo como uma partida de xadrez, em que o primeiro que fizer uma jogada brusca será trucidado. Diferentemente de Irene, a tensão entre os dois é aniquiladora e violenta, pronta para dilacerar quem estiver por perto, e os dois não precisam nem dizer uma única palavra, como por exemplo, quando eles se encontram no elevador e o assassino apenas puxa a sua arma apenas para intimidá-los, porém não diretamente, olhando seu reflexo no metal enquanto Espósito e Irene demonstram desespero e nervosismo para alguma loucura do que poderia acontecer.
No entanto, a melhor química em cena é a de Benjamín e Ricardo, o ex namorado sedento por justiça e não por vingança, como muitas vezes ele deixa claro em quase todas as conversas que tem com o oficial de justiça. Ele transmite o sentimento de tristeza através de seus olhos quase todo o tempo de cena. O resto ele acaba transmitindo raiva e frustração pelo andar da investigação. E é através dessa lástima que ele possui no olhar que Benjamín tem a conclusão de sua odisseia.
Após ter se passado diversos anos após o caso, Benjamín vai novamente atrás de Ricardo para esclarecer algumas coisas da época e tentar encaixar o que aconteceu no caso. Ao ser recebido na casa do ex-namorado da vítima, ambos repassam a historia e Ricardo pede para Espósito não procurar mais o assassino de sua mulher, pois ele o havia matado após a justiça ter falhado contra ele.
Benjamín aceita essa versão, porém percebe que há algo de errado nisso. Ele sente pelo olhar de Ricardo que há algo a mais. Após isso, Espósito vai embora da casa dele, porém acaba ficando de tocaia para descobrir o que está acontecendo. Ao seguir Ricardo para dentro da fazenda, ele descobre que Gómez está preso ali por mais de vinte e cinco anos, fazendo jus ao título do filme.
Nesse momento, têm-se o embate dessas três figuras: Benjamín, que buscou e encontrou a conclusão do caso, deixando claro que aquilo o satisfez, porém não foi o suficiente; Gómez, que acabou perdendo a sanidade durante esse tempo preso, se tornando apenas uma casca vazia do que já foi; e Ricardo, que alcançou a sua justiça após o sistema ter falhado com ele, transformando aquilo na razão de seu viver. E em nenhum momento os três falam o que sentem durante esse encontro, apenas a troca de olhares e a descarga emocional presente na tragédia que os ligou.
Logo, o filme argentino não é composto pelo que foi falado, ele é feito pelo que não foi dito, o que está nas entrelinhas, deixando para o imaginário de cada um analisar as atitudes e os relacionamentos dos personagens, após sentir o impacto do que uma mera troca de olhares pode significar.
Apaixonado por cinema, amante das ciências humanas, apreciador de bebidas baratas, mergulhador de fossa existencial e dependente da melancolia humana.