Mesmo no ano de 1947, é notável como certos filmes faziam pequenos retratos da sociedade, ou melhor, retratos de parte da sociedade, até porque, nem todas as pessoas são iguais aos moradores da vila retratada em “A Perola”, dirigido por Emílio Fernandez.
Baseado na obra de John Steinbeck (o mesmo de “As Vinhas da Ira”, que virou um filme dirigido por John Ford), a obra conta a história de Quino (Pedro Armendáriz), sua mulher Juana (Maria Elena Marquês) e seu filho pequeno. Quino é pescador e mora em uma vila de pessoas da mesma profissão. Em um dia comum de trabalho, ele encontra uma perola e os moradores da vila e da cidade mais próxima fazem de tudo para rouba-la, obrigando a família a viverem fugindo.
Assim, a história foca em Quino e Juana fugindo da ganância das pessoas, mesmo que em alguns momentos, ele também seja uma pessoa gananciosa, ele vai mudando na medida que o tempo passa, percebendo como as pessoas ao seu redor são interesseiras e tem a necessidade de sempre terem mais coisas.
Mas, o problema real não é querer mais coisas, é um direito de cada um desejar e ter tudo aquilo que bem entendemos, o problema é quando para ter isso, se cria uma necessidade de passar por cima dos outros, justamente o que os moradores da vila tentam fazer com Quino e sua família, demonstrando serem capazes de qualquer coisa para conseguir a perola que o homem encontrou.
Algo similar acontece em “O Pagador de Promessas” de 1962 e dirigido por Anselmo Duarte, Zé do Burro quer pagar uma promessa e as pessoas caçoam de sua fé, fazendo da caminhada dele até a Igreja de Santa Bárbara um evento onde tudo importa menos o que Zé acredita, em “A Perola”, tudo importa, menos a vida de Quino e o que ela pode se tornar com o dinheiro a se conseguir com a perola.
Em “O Pagador de Promessas”, Zé está, quase que literalmente, entre o céu e o inferno, pois não pode entrar na igreja para realizar o cumprimento de sua promessa, ficando na escadaria entre a rua principal da cidade e a porta da igreja, com a cruz que carregou por todo o caminho, já em “A Perola”, Quino se encontra na mesma situação, estando entre o sonho de dar uma educação para seu filho e roupas decentes para ele e a mulher e entre as pessoas tentando tirar essa oportunidade dele, ficando na casinha onde mora na tentativa vã de se proteger de tudo isso.
Ou seja, tanto Zé quanto Quino tem desejos simples, transformados em complexos por pessoas que representam aquilo que há de pior no ser humano e é interessante como os personagens desses filmes são homens parecidos: em algum momento de suas jornadas, eles concordam com as imposições da sociedade, para, graças as suas mulheres – no caso do “O Pagador de Promessas”, Rosa, interpretada por Glória Menezes – saírem desse pensamento, mesmo que em algum momento da trajetória particular delas, elas também chegarem perto de se corromperem, não mantendo a sua essência.
Logo, tanto “A Perola”, quanto “O Pagador de Promessas”, mostram o quanto o ser humano é mutável, e se por um lado é a capacidade de mudar que faz a sociedade avançar, por outro lado, todos nós podemos ser corruptíveis em algum momento de nossas trajetórias, devido a influencias internas ou externas, o que também faz a sociedade avançar, pois, se enxergamos o avanço como regresso, é devido a pontos de vista subjetivos.
Não à toa, a trajetória de Quino e Zé é tão parecida, tanto nos seus começos, como nos finais, talvez, cada um de nós tenha um pouco dos dois personagens, mas, com certeza isso é assunto para outro texto.
Formado em Jornalismo e apaixonado por cinema desde pequeno, decido fazer dele uma profissão quando assisti pela primeira vez a trilogia “O Poderoso Chefão” do Coppola. Meu diretor preferido é Ingmar Bergman, minhas críticas saem regularmente aqui e no assimfalouvictor.com