Nota do Filme:
É provável que boa parte do público que se espera lotar as sessões dos novos live-actions da Disney seja composto por pessoas que possuem alguma relação afetiva com o filme original. Ainda é cedo para entender se estes vão conseguir se enraizar de forma tão profunda no imaginário das novas gerações como aconteceu com as antigas animações, mas uma coisa é certa: acima de qualquer vontade de revisitar, reformular ou reimaginar histórias, está a vontade do estúdio de fazer dinheiro. Quem vai aos cinemas assistir algum destes live-actions está em busca da nostalgia que só um filme Disney é capaz de proporcionar. Reinvenções são mais que bem-vindas, mas ficam em segundo plano frente a um desejo do público de reconhecer sua infância na tela. Está aí o maior acerto do novo A Pequena Sereia: conseguir reproduzir e levar à plateia toda a emoção e encantamento de uma história que ela conhece e adora.
Muito já se discutiu sobre o que estas refilmagens podem trazer de novo, mas está claro que repetir o mesmo compasso do filme original é a chave para deixar o espectador feliz e satisfeito. Mesmo disposto a enfrentar uma onda de ódio pela escolha de uma atriz preta para dar vida à nova Ariel, A Pequena Sereia decide não se arriscar e segue a cartilha da animação de 1989, recriando cada um de seus momentos e, claro, se apoiando na belíssima e premiada trilha sonora para fisgar os fãs mais apaixonados. É uma decisão previsível visto o fracasso de vários dos últimos live-actions produzidos pela Disney, mas que, no fim das contas, se mostra bastante coerente nesta fase em que o estúdio precisa retomar a confiança junto ao público, que não anda bem das pernas.
Para quem não conhece, A Pequena Sereia é baseado no conto homônimo de Hans Christian Andersen, que conta a história de Ariel (Halle Bailley), uma sereia fascinada pela vida dos humanos na superfície. Depois de salvar a vida do príncipe Eric (Jonah Hauer-King), Ariel decide pedir ajuda à bruxa Úrsula (Melissa McCarthy), que lhe oferece um acordo: a sereia tem três dias na superfície para fazer com que o príncipe se apaixone por ela para, então, se tornar humana para sempre. Como pagamento, Ariel dá para Úrsula sua bela voz e, não conseguindo um beijo de amor verdadeiro até o pôr-do-sol do terceiro dia, será prisioneira de Úrsula para sempre.
O escolhido para dirigir a adaptação do clássico foi Rob Marshall que, só na Disney, esteve à frente de projetos como O Retorno de Mary Poppins (2018), Caminhos da Floresta (2014) e último Piratas do Caribe (2011). Seus filmes não vêm ganhando tanta projeção e prestígio quanto o premiado Chicago (2002), por exemplo, mas seu trabalho em A Pequena Sereia é digno de nota. Mais do que adaptar o filme de 89, Marshall consegue traduzir em imagens e sentimento o drama de Ariel, sua insatisfação com o mundo onde vive, o desespero de não conseguir falar a Eric que ela é a garota que ele anda procurando. O longa teria se beneficiado muito de um pouco mais de peso na direção, algo que acompanhasse a pegada “dark” do conto de Andersen, mas para os padrões Disney, o resultado nos lembra como esta é, na verdade, uma história bem pesada.
Por outro lado, existem questões da adaptação que nem muita força de vontade pode contornar. A primeira é uma reclamação recorrente: o estranhamento que gera o realismo dos animais no live-action. Deles, Sebastião é o que mais sofre por ser quem mais interage com Ariel e com o rei Tritão (Javier Bardem) e, por mais legal que seja a dublagem de Daveed Diggs, fica difícil para o público estabelecer uma conexão igual à alcançada pelo desenho. Outro empecilho é o estranhamento causado pelas cenas subaquáticas, que estão longe de ser tão vistosas quanto o que vimos há pouco tempo no segundo Avatar. Faz falta não apenas a real construção do reino de Atlântida, onde sereias convivem em sociedade como vimos no filme original, mas, também, a naturalidade dos movimentos embaixo da água, motivo pelo qual as cenas em terra funcionam bem mais.
Isso se repete na reprodução dos números musicais, sendo os da superfície bem mais orgânicos que os do mar. Mas enquanto “Under The Sea” sofre com a falta de conexão entre os elementos do CGI e a fotografia de “Poor Unfortunated Souls” é tão escura que o espectador mal enxerga, “Part of This World”, protagonizado por Halle Bailley, é um espetáculo devido à força absurda da protagonista, de sua voz e de sua presença. Já as músicas criadas por Lin-Manuel Miranda não têm a mesma potência da trilha original e, tirando uma delas – cantada por Sabidão (Awkwafina) e Sebastião – passam totalmente desapercebidas. Fica bem claro que, ainda que exista um esforço para construir uma identidade própria, o novo A Pequena Sereia ganha mais servindo nostalgia que tentando ser inédito.
E, num geral, a nostalgia funciona sempre que Halle Bailley está em cena, porque ela consegue ser a alma do filme. Além de uma voz absolutamente linda e potente, Halle é carismática e parece ter nascido para fazer Ariel. Mesmo tendo certa dificuldade em expressar sentimentos nas passagens em que a personagem está sem voz, a atriz é um encanto, mostrando a todos que não poderia haver melhor escolha para o papel. Outro destaque vai para Melissa McCarthy, deslumbrante e cheia de personalidade como Úrsula, uma pena que é tão sabotada pelo CGI e por um roteiro que não a deixa ter o destaque que merece. Aproveitando a oportunidade, é preciso falar que o maior prejudicado por texto e montagem é Javier Bardem, que tem ainda menos tempo de tela e uma participação tão enxuta que seu Tritão perde toda a força do personagem original.
Se compararmos com os últimos live-actions da Disney, A Pequena Sereia é, de todos, sem dúvidas, o mais equilibrado. A história é cativante e colorida, tem um peso dramático interessante, mas uma leveza ainda mais gostosa de assistir. A decisão de ambientar o filme no Caribe poderia trazer mais nuances ao longo da narrativa, mas ganha pontos só de mostrar uma diversidade racial muito bem-vinda na história. Não é surpresa nenhuma ver esse novo filme se apoiar tanto no clássico de 89. O público até gosta de algumas modernizações, porém, mais que tudo, espera a nostalgia de ver suas animações preferidas reproduzidas quase à risca por atores de carne e osso. Talvez a pressão de copiar o original possa ter sabotado A Pequena Sereia, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (25), em diversos aspectos. Mas é também essa mesma vontade que o coloca no caminho de ser um dos live-actions Disney que mais deve agradar fãs mundo afora.
Jornalista viciada em recomendar filmes e revisora de textos recifense que vive escrevendo sobre cinema nas horas vagas.