Em dado momento de “Bergman – 100 anos”, um dos entrevistados fala que talvez, Bergman não seria Bergman se ele não fosse altamente controlador, grosso e até agressivo quando em um set de cinema. Essa fala, pode servir de resumo a obra, mostrando a desconstrução que a diretora, Jane Magnusson, se propôs a fazer.
Até porque, convenhamos, fazer um documentário sobre esse diretor, independente se ele fizesse 100 anos ou não neste ano, é algo difícil, pois, como todo filme biográfico, independente do gênero, há uma tendência a idealizar a personalidade, e como consequência não ser fiel no retrato que foi proposto.
Felizmente, com amplo conhecimento e variedade de entrevistados, Magnusson conseguiu desconstruir Bergman, criando um perfil fiel de quem ele era, usando seus livros, as entrevistas cedidas pelo diretor e principalmente, seus filmes, que são a melhor maneira de descobri-lo.
Porque Bergman era um apaixonado pelo trabalho e um negligente em relação a família, amigos e mulheres. O ano de 1957 foi o mais produtivo de sua carreira e onde ficou clara a sua irresponsabilidade com os filhos. Ele tinha 6 nessa época e pensava que tinha 5, ele traia a esposa com uma atriz e traia essa atriz com outra atriz e ao mesmo tempo, filmava “No Limiar da Vida”, lançava “Morangos Silvestres” e “O Sétimo Selo”, lançava duas peças de teatro e dirigia um teatro, além de ter dirigido uma peça especifica para rádio.
Para mostrar tudo isso e ao mesmo tempo construir uma biografia fiel de Bergman, Magnusson opta por uma estrutura não cronológica, tendo como pontos de ligação os filmes da personalidade analisada, assim, o filme ganha ritmo e não se perde em apenas um ano, mostrando as consequências de tamanha produtividade, que se dariam nos anos posteriores e detalhando como essas consequências iriam afetar a vida dele dali por diante.
E afetaram, como vemos pelas entrevistas com pessoas de todas as fases da vida de Bergman, desde alunos ou atores e atrizes que trabalharam com ele apenas no teatro, até nomes conhecidos para quem assistiu ao menos um dos filmes dele, como Lena Endre, Lena Olin, Liv Ullmann, Elliott Gould e fãs como Lars Von Trier – que, em suas obras há uma influência notável de Bergman – , Holly Hunter e principalmente, Barbra Streisand, que deu algumas das respostas mais interessantes.
Todos os entrevistados, principalmente os que trabalharam com Bergman, disseram que ele era um gênio, mas também falaram de seus erros, principalmente no que diz respeito as mulheres, as diversas traições que ele fez e as agressões que algumas sofreram, além do apoio ao nazismo manifestado pelo diretor quando este tinha 18 anos e foi estudar na Alemanha pré Segunda Guerra Mundial.
Magnusson, com esses entrevistados, filmes e livros de Bergman, fez um trabalho magnifico de pesquisa, indicando a vontade de desconstruir uma figura que muitos tem como ídolo. O documentário é admirável porque mostra que um dos grandes gênios do cinema era uma pessoa horrível.
Logo, quando, vemos no pôster do filme a seguinte frase “O documentário definitivo sobre a vida e obra de Bergman”, a frase está correta e esse documentário cumpre um papel necessário, justamente por não ter medo de realizar essa desconstrução de uma figura considerada mítica e que sim, foi brilhante e um dos maiores diretores da história, mas que era uma pessoa horrível, e se tem algo que esse filme mostra é que, admirar o trabalho cinematográfico dele é ok, admirar ele como pessoa, é errado. Caso você seja uma pessoa do último caso, eu recomendo ainda mais que assista esse filme.
Formado em Jornalismo e apaixonado por cinema desde pequeno, decido fazer dele uma profissão quando assisti pela primeira vez a trilogia “O Poderoso Chefão” do Coppola. Meu diretor preferido é Ingmar Bergman, minhas críticas saem regularmente aqui e no assimfalouvictor.com