Sempre é bom ter alguém, ou algo, para se apoiar, isso deixa a vida um pouco mais fácil, se tivermos um porto seguro, um lugar para voltarmos quando tudo estiver ruim. Assim como todas as coisas, tudo tem um lado mal, o descrito aqui não foge disso, no caso é a alienação.
Paul Thomas Anderson explora essa alienação causada por uma ideologia comumente entendida como um ponto de apoio em “O Mestre”. Joaquin Phoenix é Freddie Quell, um ex-soldado da Segunda Guerra Mundial, descobre uma nova religião, liderada e idealizada por Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), ele passa a seguir este homem de forma cega.
Em suas duas horas e dezessete minutos de duração, Anderson mostra como Quell é dependente de algo que o aliene, ele precisa se sentir cego e comandado por algo para conseguir sobreviver. O diretor divide a obra em dois grandes pontos de “cegueira” para Quell, a bebida e a religião, no meio deles, estão as mulheres.
Primeiro, Quell é alcoólatra, não satisfeito, ele faz uma bebida estranhíssima partindo de um óleo de motor de barco, ele consome essa bebida constantemente, e é ela que o move e o ajuda a tomar suas atitudes, tanto como soldado, quanto como civil, logo, as mulheres que se envolveram com ele nesse período se sentem atraídas não por ele e sim por sua frieza e secura, gerada pela bebida.
Frieza que o ex-soldado não economiza, ele trata as pessoas mal e de maneira direta, incluindo as mulheres, porém, ao conhecer Dodd, isso muda de figura, pois este homem oferece algo novo e coloca a ideologia que defende na cabeça de Freddie, fazendo do rapaz uma cobaia.
Freddie sabe que é uma cobaia e gosta disso, pois ele se sente livre de responsabilidades e pode fazer o que quiser. Porém, se uma ideologia defende que a hipnose é uma ferramenta para voltar no tempo e essa “viagem” pode curar doenças como leucemia, vemos que Dodd é tão doente quanto Freddie. Mas, porque Quell acreditaria em algo assim?
Pela necessidade, essa é mostrada incrivelmente bem pelo ótimo ator Joaquin Phoenix, que faz várias coisas para construir seu personagem fisicamente, sem se prender apenas ao psicológico. A postura sempre curvada mostra como Freddie está disposto a se curvar para as outras pessoas, mesmo que sua agressividade e aparente independência sejam visíveis, elas apenas se manifestam quando o homem se sente comandado por outra pessoa.
Isso também fica claro pelo jeito de falar do rapaz, que é alto apenas quando está obedecendo alguma ordem ou quando está fazendo algo para o bem de outra pessoa, nunca dele mesmo, pois ele não se importa com ele mesmo, ele se interessa com o que as figuras de comando que ele cria pensam sobre ele.
Não que Dodd o comande de maneira ingênua, sem más intenções, na verdade, muito pelo contrário. O personagem de Philip Seymour Hoffman usa Quell como cobaia para sua religião de invenções. Hoffman deixa isso bem claro, pelo olhar dele em relação ao outro, sempre julgando e principalmente subjugando as outras pessoas, tanto as que acreditam no pregado por ele, quanto as que não.
Porém, mesmo sabendo disso, Quell não liga, é como se ele dissesse para si mesmo “tudo passa”, talvez seja esse pensamento que tenha feito Thomas Anderson incluir os planos do mar, pela água representar um fluxo continuo. E talvez seja por isso que toda vez em que o protagonista é mostrado fazendo sexo, a mulher sempre está em posição de comando, tomando a iniciativa, pois o rapaz gosta do fluxo continuo criado por ele mesmo, a cadeia de comando onde ele é sempre o comandado.
Como é frequente nas obras de Anderson, os movimentos de câmera são sempre fluidos, poucos cortes e a câmera sempre segue os personagens no campo da ação. Por exemplo, nas cenas onde Dodd faz seus discursos, quase não há cortes, pois é necessário que o público, para entender a doutrinação, veja os discursos sem interrupções. Quando há cortes, é para mostrar as reações de Freddie enquanto Dodd fala, logo, mais uma tática para que o público entenda a doutrinação.
Portanto, ver “O Mestre” é uma experiencia esclarecedora sobre o poder que as ideias têm sobre as pessoas, seja para o lado bom, o do ponto de apoio, seja para ruim, o da alienação quase completa, como a exposta por Freddie Quell nesse brilhante filme de um dos maiores diretores da atualidade.
Formado em Jornalismo e apaixonado por cinema desde pequeno, decido fazer dele uma profissão quando assisti pela primeira vez a trilogia “O Poderoso Chefão” do Coppola. Meu diretor preferido é Ingmar Bergman, minhas críticas saem regularmente aqui e no assimfalouvictor.com