Nota da redatora: O presente texto não expressa de modo algum as ideias do grupo Cinematologia, composto por mais de trinta pessoas.
Tampouco visa, de qualquer maneira, referir-se a atual disputa pela presidência da república do Brasil, pois pretende apenas dialogar com os acontecimentos e fatos do período da ditadura militar do país (1964-1985). Se, no entanto, qualquer assimilação entre aquele período e o atual for feita por sua pessoa, talvez seja o momento de reavaliar os caminhos e rumos que se desenham para a sociedade brasileira.
A democracia brasileira é jovem e frágil: são 30 anos da constituição vigente, e apenas 33 desde o fim da ditadura militar, um dos momentos mais sombrios da história do Brasil – não se pode falar de “o mais sombrio” em um país que teve 400 anos de escravidão. O assunto nunca realmente sai de pauta, mas de tempos em tempos se intensificam as discussões acerca do tema. Ultimamente, tem sido o caso de rediscutir os caminhos que levaram e estímulos que mantiveram o Brasil sob domínio de governo tão autoritário e violento. Pensando nisso, e tendo em mente muita clara a relação que sempre houve entre arte e política, listamos 7 filmes que retratam como foi viver neste período.
1. Marighella (2012)
“Revolução no Brasil tem um nome”.
Inimigo número 1 da ditadura militar, e assassinado pelo Estado no ano de 1969 em São Paulo, Carlos Marighella era a voz e rosto da resistência de guerrilha brasileira. O documentário, dirigido por sua sobrinha, Isa Grinspum Ferraz, é eficiente em reconstruir o retrato da figura política de Marighella, desde sua juventude, passando pelo tempo de movimento estudantil, resistência à ditadura civil de Getúlio Vargas, os anos de perseguição ao Partido Comunista e, finalmente, a ditadura militar.
Além das torturas, perseguições e assassinatos do governo, o documentário denuncia o apoio financeira de empresas privadas que se beneficiaram deste governo.
Como bônus, a ótima “Mil faces de um homem leal” dos Racionais Mc’s foi composta especialmente para o filme.
2. O Dia que durou 21 anos (2013)
Dividido em 3 partes, o documentário dirigido por Camilo Galli Tavares revela a participação dos EUA no golpe de 1964 e na ditadura militar que se instaurou a partir dele.
A primeira parte, mostra a participação do governo ianque, principalmente do embaixador americano no Brasil, para a arquitetura do golpe. O filme enfatiza a participação do embaixador relatando com detalhes a incitação do medo de que o país, potencia da America do Sul, cedesse aos interesses comunistas, ou seja, soviéticos.
O documentário é bem sucedido em relatar a criação de uma rede de conspiração midiática (de jornais até produções fílmicas que maldiziam a esquerda) e política (com governadores e deputados sendo pagos ilegalmente para fazer boicotes e oposição) que enfraqueceram o presidente João Goulart – considerado “muito à esquerda”.
A segunda, foca na polarização que os fatos supracitados instigaram no país e, a partir disso, como os grupos anti-jango que começaram a se articular no exército, apoiados pela população dita “de bem”.
O discurso recorrentemente disseminado era de que o Brasil poderia se tornar uma “nova Cuba”. Usando isto como desculpa, deu-se este que é um dos maiores paradoxos políticos ocidentais: usar de meios anti democráticos para – supostamente – defender a democracia.
A última parte, faz um panorama da violência e censura que se sucedeu com a instauração do governo militar, focalizando na supressão de direitos constitucionais, principalmente com a criação do Ai-5. Neste ponto, o documentário, que já dava voz a ex militares partícipes da deposição de Jango, retrata a decepção deles com as direções tomadas pelos governantes. Alguns, inclusive, sugerem que o AI-5 era o objetivo desde o princípio, considerando-o “um golpe dentro do golpe” e mostrando-se arrependidos pelo apoio.
3. Zuzu Angel (2006)
Zuzu Angel foi uma estilista brasileira de sucesso internacional, cujo filho foi morto enquanto era torturado pelo Estado, e, posteriormente, dado como desaparecido.
O filme de Sérgio Rezende acompanha o despertar da consciência política desta mulher ao ter que enfrentar as forças militares para liberar o corpo do filho. Zuzu, como muitos, era completamente alheia ao que ocorria nos porões dos DOPS e alienada a falta de liberdade durante o regime.
Ao passo que vai investigando o desaparecimento do filho, ela toma consciência da grave situação política. O discurso vai além, sem cometer o deslize acusatório de que a alienação das pessoas era causada por falta de empatia, e aponta como o sistema era projetado de modo que as pessoas acreditassem nesta ilusão de ordem civil e, principalmente, para descredibilizar aqueles que se opunham ao governo opressor, chamados de “terroristas”.
4. Ação entre amigos (1998)
No filme de Beto Brat, Miguel, Paulo, Osvaldo e Elói são amigos que lutaram juntos contra o regime. Vinte e cinco anos depois, eles descobrem que seu torturador está vivo e decidem vingar-se em busca de uma conclusão para aquele episódio doloroso de suas vidas.
O filme é competente em transmitir a sensação de injustiça e impotência gerados com a dita “anistia de mão dupla” que perdoou, não apenas os militantes radicais, mas também seus algozes milicos.
O filme também discute os traumas psicológicos causados pelas torturas, e, com seu final catártico, sela o caráter trágico desses acontecimentos que geraram cicatrizes vitalícias.
5. O ano em que meus pais saíram de férias (2006)
Mauro, ainda criança, precisa ficar aos cuidados de um vizinho quando seus pais precisam sair de férias inesperadamente. Neste longa, Cao Hamburger se vale do olhar inocente do menino para retratar as marcas da ditadura na vida familiar
Ambientado em 1970, – aliás, destaco a ótima reconstrução temporal- a montagem do filme se sobressai ao intercalar momentos dramáticos do enredo principal com jogos da copa do mundo, e relacionar, de modo sutil, a relação entre o ótimo momento da seleção canarinho com a propaganda da ditadura militar. Esse efeito tem seu ápice na final da copa, quando o Brasil conquista o tricampeonato, mas o protagonista recebe uma trágica notícia.
6. Em busca da verdade (2015)
Trata-se de um documentários produzido e exibido pela TV Senado. Nele, discute-se a Comissão da Verdade, fundada em 2012 pela ex-presidente Dilma Rousseff, que investigou violações aos direitos humanos cometidas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988.
A comissão foi importantíssima por dar voz às vítimas deste período e investigar as estruturas de poder geradas pelo golpe militar. Por exemplo, o financiamento por parte da iniciativa privada da OBAN (Operação Bandeirantes), ou sessões de tortura – contendo, inclusive, relatos de que alguns representantes de grandes empresas gostavam de assistir àquelas sessões. O filme e a comissão foram eficazes em grifar que a tortura não era exceção à regra, e se tratava de uma política de estado.
Dentre muitos depoimentos, os militares se sobressaem pela dissimulação diante da veracidade dos fatos, depoimentos e registros (20 mil torturados, 434 mortos ou desaparecidos). Alguns eufemismos se destacam como “houveram excessos” ou então “tortura psicológica houve” – como se, ainda que essa fosse realmente a única forma de tortura, isso amenizasse aquelas ações de alguma maneira.
A comissão também delatou a conivência de grande parte da comunidade cristã, a violação de terras indígenas e camponesas por parte do governo e, é claro, a corrupção, que, afinal, está na gênese do próprio Golpe de 64, como visto anteriormente.
Considero essencial destacar que os relatos vistos em todos os documentários, e aqui frisados, não são meras conjecturas e teorias conspiratórias, existem documentos, inclusive da CIA, que comprovam os fatos apresentados.
7. Batismo de sangue (2007)
Motivados por ideais cristãos, os frades Tito, Betto, Oswaldo, Fernando e Ivo, decidem apoiar a Ação Libertadora Nacional, comandado na época por Carlos Marighella. Em certa altura, eles são descobertos, presos e torturados.
Certamente o mais gráfico desta lista, o filme de Helvécio Ratton baseado em fatos é certeiro ao delatar as sessões de tortura física, psicológica, e todas as condições sub-humanas às quais os presos políticos eram submetidos. Discute o papel da Igreja – única instituição que não estava sob domínio do Estado- e dos cristãos diante das injustiças da época.
Em cenas como a de um delegado da polícia tomando cafezinho de costas para policiais enquanto eles espancavam um dos frades, ou na cena em que o médico discute sobre os planos para o feriado enquanto examina se o preso-paciente está vivo e quanto mais de tortura seu corpo aguentaria, o longa delineia o caráter rotineiro das sessões de tortura, e, indo além, a normalização da barbárie.
Este, acredito, é o filme que mais impacta o espectador a respeito das violações e agressões sofridas. Concentrando a questão na figura de Tito – frade que foi mais torturado- e que, apesar de sobreviver a tortura física, fica psicologicamente abalado para sempre, mostrando que as consequências de tamanha violência são irreversíveis.
Tito vai adoecendo e tornando-se cada vez mais paranoico – mesmo exilado é atormentado pelo fantasma de seu torturador – vai perdendo sua fé, até que por fim, decide findar seu sofrimento suicidando-se
“Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus” (Mateus 5:10)
Em memória e respeito a todas as vítimas da ditadura, e em nome da democracia, da vida e da dignidade humana, é preciso que se grite: ditadura nunca mais!
Linguista, feminista, comunista de Iphone e debochada. Acredito que todo desentendimento é causado por confusão semântica e que 90% dos conflitos humanos podem ser resolvidos com diálogo. Especialista em procrastinação, melancolia e overthink.
Formei-me em Letras e no Cinema busco esquecer.