Consagrado por filmes como O Poderoso Chefão, Senhor dos Anéis, Star Wars, entre outros, o formato de trilogia se popularizou muito rapidamente em Hollywood. É de consenso geral que trilogia é toda a sequência de três filmes que retrata a continuação de uma mesma história vivida pelos mesmo personagens em um determinado momento de suas vidas (algumas se passam no intervalo de horas, enquanto que outras se passam no intervalo de anos ou décadas).
Contudo, poucos sabem que também existem trilogias que fogem completamente à esse formato. Com narrativas completamente distintas, mas que englobam um mesmo tema ou assunto específico, e que contam com a presença de atores que não necessariamente participaram dos filmes anteriores, tais séries de filmes modificaram o conceito pré-estabelecido.
Trilogia do Cornetto (2004-2013)
Com o sucesso absoluto de seu último filme, Em Ritmo de Fuga (Baby Driver – 2017), Edgar Wright se tornou um dos diretores mais comentados e adorados do momento. Entretanto, poucos sabem que seu sucesso começou com um filme pouco conhecido, criado em parceria com os atores e roteiristas Simon Pegg e Nick Frost, e que, posteriormente, se tornaria parte de uma inusitada trilogia, cuja única similaridade entre as obras é o humor sempre afiado e o destaque (curioso) de uma embalagem do sorvete Cornetto em determinadas cenas. O que começou com uma brincadeira dos produtores e do diretor na hora da distribuição de Todo Mundo Quase Morto (Shaun of the Dead – 2004), acabou sendo levado mais a sério no decorrer dos anos, com as cores das embalagens sendo escolhidas especificamente para destacar uma característica exclusiva de cada uma das histórias.
Em Todo Mundo Quase Morto, dois amigos tem que lidar com o repentino apocalipse zumbi que decide assolar sua pacata cidade. O filme conta com elementos de humor negro, romance, gore e violência (sempre mais escrachados) e crítica social à alienação da sociedade. Aqui, o sabor morango (embalagem vermelha) foi o escolhido para aparecer como Easter Egg por representar os elementos anteriormente destacados.
Em Chumbo Grosso (Hot Fuzz – 2007), uma dupla de amigos da polícia de uma cidadezinha do interior deve investigar uma série de assassinatos misteriosos jamais vistos na região. O humor e as situações absurdas também estão presentes nesse segundo filme cuja parceria entre os dois nas investigações é o principal trunfo. Dessa vez, a embalagem azul do sorvete foi a escolhida por ser uma cor que representa as luzes e uniformes da polícia britânica.
Por fim, em Heróis da Ressaca (The World’s End – 2013), um grupo de amigos do colégio decide percorrer o mapa de bares londrinos tomando um Pint (aproximadamente meio litro) de chope em cada um deles. Durante a aventura, uma invasão alienígena inesperada interrompe o circuito. Aqui, o Cornetto de menta foi o escolhido (embalagem verde) por representar a cor dos invasores.
Trilogia das Cores (1993-1994)
Krzysztof Kieślowski foi um cineasta nascido na Polônia no ano de 1941, e é hoje, considerado um dos mais influentes de toda a Europa. Recebeu diversos prêmios na carreira, incluindo o prêmio do júri no Festival de Cannes, o urso de prata no festival de Berlim e duas indicações ao Oscar, nas categorias de melhor diretor e melhor roteiro original.
Nos anos 90, criou uma das mais famosas e conceituadas trilogias do cinema: a Trilogia das Cores. Baseada nas três cores da bandeira da França, a sequência de filmes conta histórias baseadas diretamente nos três preceitos básicos da revolução francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Com um recurso visual e de fotografia muito únicos, não esquecemos em nenhum momento de qual filme da trilogia estamos assistindo (por conta dos diversos elementos em tela que correspondem à cor presente no título da película).
A Liberdade é Azul (Trois Couleurs: Bleu – 1993) se passa em Paris e conta a história de uma mulher que perde o marido e a filha em um acidente de carro. Para tentar encarar o luto, a personagem tenta se desvencilhar de todos os laços familiares, profissionais e pessoais que tem com o passado, mas descobre que não conseguirá se livrar tão facilmente dos fantasmas que ainda lhe perturbam. Hoje, o filme é considerado como sendo uma anti-tragédia.
A Igualdade é Branca (Trois Couleurs: Blanc – 1994) é uma anti-comédia que trata sobre um homem tímido abandonado em condições humilhantes por sua mulher em Paris. Depois de tudo, ainda perde seu dinheiro, sua casa e seus amigos. Depois de toda a humilhação, ele tenta restaurar a igualdade por meio de um esquema de vingança.
No anti-romance, A Fraternidade é Vermelha (Trois Couleurs: Rouge – 1994), o diretor conta a história de dois personagens cujas vidas vão se conectando gradualmente por conta de suas diversas similaridades. A obra concorreu a três Oscar: melhor diretor, melhor cinematografia e melhor roteiro original, mas não ganhou nenhum prêmio.
Trilogia da Vingança (2002-2005)
Chan-Wook Park, diretor sul coreano de 53 anos, vem ganhando cada vez mais espaço no cenário cinematográfico mundial. Formado em filosofia, pretendia inicialmente trabalhar como crítico de cinema para garantir um retorno financeiro, que seria incerto caso partisse direto para a direção. Contudo, após assistir Um Corpo Que Cai (Vertigo – 1958 – dirigido por Alfred Hitchcock), Park decidiu seguir seu sonho. Após dois filmes sem muito retorno comercial, o diretor lançou Zona de Risco (Gongdong Gyeongbi Guyeok JSA – 2000), sucesso absoluto de crítica e bilheteria e que se tornou, inclusive, o filme mais assistido na história da Coréia do Sul até então.
Já com liberdade para produzir filmes mais originais, escreveu e dirigiu Mr. Vingança (Boksuneun Naui Geot – 2002), primeiro filme da trilogia que o elevou ao patamar de sucesso mundial. Seguido pelo aclamado Oldboy (Oldeuboi – 2003) vencedor do Prêmio Grand Prix no Festival de Cannes, segundo prêmio mais prestigiado da competição, e por Lady Vingança (Chinjeolhan Geumjassi – 2005). Park construiu uma sequência de filmes viscerais e regados pelo humor negro cujo tema principal é a vingança, mas que não tem nenhuma outra relação entre si. Sangue, cenas absurdas, assuntos tabu, personagens marcantes e frios, e violência (por vezes explícita, por outras apenas sugerida) ditam o ritmo dos filmes cujos roteiros são sempre redondos e prontos para surpreender e chocar o espectador.
Trilogia do Silêncio (1961-1963)
Ingmar Bergman, sueco indicado a nove Oscar por categorias de direção e roteiro (venceu apenas uma estatueta honorária pelo conjunto da obra, em 1971), é hoje considerado como um dos diretores mais influentes e importantes da história do cinema. Responsável pela criação de filmes como: O Sétimo Selo (Det Sjunde Inseglet – 1957), Morangos Silvestres (Smultronstallet – 1957) e Quando Duas Mulheres Pecam (Persona – 1966), fazia filmes com a constante presença de roteiros cheios de monólogos reflexivos sobre a vida que questionavam a religião e a fé, assuntos nos quais fora obrigado a se aprofundar por seu pai, um crente fervoroso e conservador. Além disso, era considerado um workaholic pelo incrível fato de lançar praticamente dois filmes por ano, totalizando 70 obras ao final de sua carreira (filmes para cinema, documentários e filmes para a TV).
Durante os anos 60, Bergman dirigiu três filmes cujo tema central é a dúvida sobre Deus e a fé. Posteriormente, críticos classificaram as três obras como sendo parte de uma trilogia batizada de “Trilogia do Silêncio”. Como afirmado pelo próprio diretor, os três filmes não foram pensados inicialmente como uma trilogia, mas por terem semelhanças em suas histórias, acabou aceitando a classificação.
Em Através de um Espelho (Sasom I En Spegel – 1961), uma jovem com esquizofrenia vai para uma ilha remota para passar tempo com sua família. Lá, começa a ter diversos delírios sobre ter encontrado Deus. O filme ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1962.
Luz do inverno (Nattvardsgästerna – 1962) conta a história de um pastor de uma igreja localizada numa pacata área rural que começa a ter que lidar com uma crise existencial e de fé.
Por fim, O Silêncio (Tystnaden – 1963) mostra a vida de duas irmãs e sua controversa relação enquanto viajam para casa no meio de uma guerra. O filme foi considerado muito polêmico por abordar e sugerir assuntos delicados e tabus, especialmente para a época.
Trilogia da Depressão (2009-2013)
Indubitavelmente, não existe, hoje, um diretor mais polêmico e controverso do que o dinamarquês Lars Von Trier. Envolvido em diversos escândalos por conta de declarações antissemitas e sexistas, Lars conseguiu afastar até mesmo quem admirava e compreendia seu filosófico e profundo trabalho, sendo até considerado Persona Non Grata no festival de Cannes.
No âmbito profissional, o diretor é um dos mais inventivos e autorais nos quesitos técnicos e de roteiro. Em 1995, junto com o diretor Thomas Vinterberg, escreveu um manifesto para a criação de um novo movimento cinematográfico: O Dogma 95. O movimento consistia na criação de um cinema mais realista e menos comercial, com o objetivo de resgatar aquilo que era feito antes da produção industrial da sétima arte. Além disso, foram formuladas 10 regras conhecidas como “votos de castidade”, elementos essenciais para que um filme fosse considerado parte do movimento. Um detalhe interessante é que, para definir se um filme fazia parte ou não do movimento, o diretor deveria submetê-lo à avaliação da entidade que gerencia o Dogma 95, que poderia ou não certificá-lo.
No começo dos anos de 2010, o diretor decidiu criar uma trilogia estrelada pela atriz Charlotte Gainsbourg e que tratava sobre os temas depressão e luto, sentimentos vivenciados pelo próprio diretor em uma das épocas mais difíceis de sua vida.
O primeiro e mais marcante filme da trilogia é o longa Anticristo (Antichrist – 2009), que conta a história de um casal que se muda para uma cabine na floresta com o objetivo de tentar aliviar o luto sentido após a perda de seu filho e todos os problemas que se sucederam em seu casamento. Contudo, a natureza trata de se “vingar” do casal por todos os pecados cometidos por ambos. Considerado muito pesado e discutível, o filme recebeu críticas divididas tanto do público quanto dos profissionais especializados.
Em Melancolia (Melancholia – 2011), o diretor cria o filme mais sensível e inventivo da trilogia. Nesse drama psicológico com elementos de ficção científica, a história gira em torno de duas irmãs que vivem numa grande mansão no campo. Uma delas está prestes a se casar enquanto um planeta está prestes a colidir com a terra. Aqui, Lars Von Trier quis mostrar como pessoas depressivas podem permanecer calmas diante de um evento catastrófico.
Por fim, temos o filme mais polêmico e debatido do diretor: Ninfomaníaca (Nymphomaniac – 2013). A obra (que foi dividida em duas partes) conta a história de uma mulher diagnosticada como Ninfomaníaca e que “confessa” para um homem em uma cabana todas as suas histórias sexuais para que possa, enfim, desabafar e ser julgada por alguém por tudo o que fez. Considerado por muitos como sendo praticamente um filme pornográfico por conta de suas cenas e closes explícitos, a obra foi censurada e proibida em diversos países.