“Por complexo de vira-lata entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.”
Foi assim que o dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues criou, na década de 50, a expressão “complexo de vira-lata”, conceito que continua vivo até os dias de hoje. Para nós, nada que é produzido em terras tupiniquins tem potencial suficiente para bater de frente com qualquer que seja a produção européia ou americana. Por conta disso, o cinema nacional é tão subestimado e ignorado por grande parte da população. Para ser bom, o filme precisa ter um toque de fora, ou “no mínimo”, ser indicado à um Oscar. É triste ver como centenas de produções nacionais independentes e com menos investimento são ignoradas em detrimento aos blockbusters da terra do Tio Sam.
Porém, mesmo com a difícil aceitação, alguns filmes brasileiros são clássicos que nem o maior anti-nacionalista consegue botar defeito. Central do Brasil (1998), dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Montenegro é um desses bons exemplos. Vencedor do Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e indicado a dois Oscar, a obra é considerada uma das melhores coisas produzidas no cinema nacional. Cidade de Deus (2002), dirigido por Fernando Meirelles; Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), dirigido por Glauber Rocha; e até mesmo Tropa de Elite (2007) e Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro (2010), dirigidos por José Padilha, são outros bons exemplos disso (mesmo que os dois últimos ainda sejam bastante contestado por algumas pessoas).
Quando o assunto é indicações ao Oscar, o cinema do Brasil aparece em algumas categorias com filmes completamente produzidos por aqui. Somente com Cidade de Deus, são quatro indicações: Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição e Melhor Fotografia. Com as demais obras, são três indicações a Melhor Filme Estrangeiro; uma indicação a Melhor Curta Metragem em Live-Action; e uma indicação a Melhor Filme de Animação.
Se levarmos em conta as co-produções brasileiras indicadas ao Oscar, temos mais 16 indicações nas mais diversas categorias. A principal delas, certamente, é também uma das maiores injustiças da história do prêmio. No ano de 1999, Fernanda Montenegro, indicada ao prêmio de Melhor Atriz por seu trabalho em Central do Brasil (1998), perdeu para Gwyneth Paltrow, que estrelou o filme Shakespeare Apaixonado (1998).
Por fim, o que nem todos sabem, é que o Brasil já levou uma estatueta para casa. Em 1993, Luciana Arrighi ganhou o prêmio de Melhor Direção de Arte pelo filme Retorno a Howards End (1992). Os brasileiros ainda acumulam outras oito indicações por seus trabalhos em filmes estrangeiros.
Vale lembrar que a lista abaixo traz apenas indicações de filmes menos conhecidos pelo grande público, uma forma de tentar abrir ainda mais os horizontes para as produções nacionais. A primeira parte da lista você confere aqui.
Neto (Rodrigo Santoro) é um jovem de classe média que vivia uma vida normal até seu pai (Othon Bastos) achar um cigarro de maconha no bolso de seu casaco. A partir daí, sua vida muda completamente. A situação em sua casa – que já não era nada fácil – fica insustentável. Após diversas discussões, Neto é enviado para um hospital psiquiátrico para “tratar” o seu mau comportamento. Ali, o jovem descobre o inferno na terra em uma instituição corrupta e que trata seus pacientes da forma mais inumana possível.
Dirigido por Laís Bodanzky, o filme é um drama contado de uma forma quase documental, o que aumenta ainda mais o realismo e o desconforto criados pela situação retratada. A experiência de assistir Bicho de Sete Cabeças é, no mínimo, impactante e desconfortável. A obra explicita a situação precária do sistema de saúde mental do Brasil e denuncia as condições das pessoas submetidas à ele. Além disso, o filme marca a estreia de Rodrigo Santoro como protagonista em uma atuação extremamente forte e comovente.
Entre Nós (2013)
Um grupo de amigos se reúne em uma casa nas montanhas para curtir os momentos e as experiências juntos. Durante a viagem, eles decidem enterrar uma cápsula do tempo contendo cartas que cada um escreveu para o seu “eu do futuro”, e que deverão ser abertas apenas 10 anos depois. Passada uma década, o grupo retorna para o local para enfrentar fantasmas do passado e as expectativas e sonhos que carregavam consigo na juventude.
Um dos filmes mais intimistas e delicados da lista, Entre Nós conta uma comovente história entre amigos. A obra acaba causando uma reflexão acerca de nossas próprias vidas e do peso que colocamos sobre nossos ombros e nossas escolhas. A paisagem bucólica e solitária aumenta ainda mais a dramaticidade e a sensibilidade da história dirigida por Paulo Morelli e seu filho, Pedro Morelli. Destaque muito positivo para as atuações de Maria Ribeiro, Martha Nowill, Paulo Vilhena, Carolina Dieckmann, Júlio Andrade e Caio Blat.
Leonardo (Ghilherme Lobo) é um adolescente deficiente visual que precisa lidar com os principais problemas da juventude: o bullying na escola e a difícil tarefa de viver o seu primeiro amor. Unido à isso, o garoto ainda precisa conviver com sua mãe super protetora enquanto tenta ser cada vez mais independente. O seu plano de vida é realizar um intercâmbio fora do país, único modo de ganhar mais responsabilidades. Porém, tudo muda quando Gabriel (Fabio Audi), seu novo colega de classe, muda para a sua cidade.
Dirigido por Daniel Ribeiro, o longa conta um delicado romance entre dois jovens que atravessam uma das fases mais complicadas da vida: a puberdade. A forma com que tudo é retratado, soa natural e aumenta a identificação do público para com os personagens. A atuação do jovem Ghilherme Lobo, surpreende e convence. Ao fim, certamente, você sairá com um sorriso no rosto.
Entre Abelhas (2015)
Bruno (Fábio Porchat) é um recém-divorciado editor que volta a morar na casa de sua mãe (Irene Ravache). Ao enfrentar um início de depressão e uma constante incerteza sobre seu futuro, algo estranho começa a acontecer em sua vida: Bruno começa a perceber que, gradativamente, as pessoas estão desaparecendo para ele, numa espécie de “cegueira seletiva”.
É difícil imaginar Fábio Porchat fazendo um filme de drama. Sim, aqui isso acontece e muito bem. Dirigido por Ian SBF, Entre Abelhas é um filme melancólico e metafórico, que aborda temas como a depressão, a família, as amizades e os reais significados da vida para algumas pessoas. Além de Porchat, Marcos Veras e Luis Lobianco (também do Porta dos Fundos), marcam presença no elenco de apoio que funciona como um alívio cômico em alguns momentos. Posso dizer que, por mais que a obra peque nas atuações, ganha, e muito, com a originalidade e com o desenvolvimento da história.
O roubo da taça (2016)
No ano de 1983, o Rio de Janeiro viveu uma inusitada situação. A taça Jules Rimet, premiação dada à seleção brasileira pela conquista da Copa do Mundo de 1970, foi roubada misteriosamente da sede da CBF. Por trás de toda essa confusão, temos Peralta (Paulo Tiefenthaler) e Borracha (Danilo Grangheia), dois amigos atrapalhados que fazem de tudo para tirar uma grana extra no fim do mês.
Uma das comédias nacionais mais engraçadas, O Roubo da Taça se diferencia completamente do formato cômico que estamos acostumados por aqui. Dirigido por Caito Ortiz, a obra é criativa ao imaginar uma situação curiosa para um dos roubos mais famosos da história de nosso país e que até hoje não teve uma solução. O elenco, que conta com figuras como Thais Araújo, Milhem Cortaz, Paulo Tiefenthaler e Mr. Catra, carrega um eficiente timing cômico que leva o DNA brasileiro no que diz respeito aos costumes regionais e nacionais. Até a paleta de cores tem a preocupação em ser formada, majoritariamente, com as cores da bandeira nacional. O filme aborda temas políticos e históricos evidenciando sempre a importância do futebol para a nação. Vale o voto de confiança para aqueles que tem o pé atrás com as comédias brasileiras.