A importância da representatividade no cinema

Quais histórias merecem espaço? Quem escolhe quais delas merecem evidência? Tudo isso tem a ver com a questão da representatividade.  

O escopo do cinema consiste em contar histórias e, assim como qualquer questão que retrata a sociedade, produz padrões: seja de comportamento, de beleza, de sociedade ideal. E quem fornece ou norteia tais padrões é quem está no comando das produções.

Inúmeros estudos demonstram uma inquietante verdade: a esmagadora maioria de diretores, atores, colaboradores, ou seja, trabalhadores da área cinematográfica – e pasme – até mesmo críticos, são homens. Tal pesquisa revela que “apenas 10,7% dos filmes analisados possuíam um elenco equilibrado de homens e mulheres – a proporção média encontrada foi de 2,25 atores para cada atriz[1]”. O mesmo estudo apontou que um terço das atrizes trajam roupas provocantes ou estão parcialmente nuas nas filmagens.

A desproporção atinge inclusive os bastidores: há uma média de 5 homens para cada mulher trabalhando na indústria cinematográfica. São apenas 9% de diretoras mulheres, contra 91% de diretores homens na atualidade. Na história do Oscar, apenas quatro mulheres já foram indicadas ao prêmio de Melhor Direção, enquanto somente Kathryn Bigelow saiu vencedora nesta categoria pelo filme “Guerra ao Terror”, de 2009 [2].

“Guerra ao Terror” foi vencedor de seis Oscars, entre eles melhor diretor e melhor filme .

Não são apenas as mulheres que são deixadas de lado. Uma polêmica envolveu a cerimônia do Oscar do ano de 2016, que, pelo segundo ano consecutivo, não indicou nenhum negro para as categorias principais[3]. O que dizer, então, acerca da participação de outras minorias, a exemplo dos transgêneros, que são massivamente ignorados: “Nenhum personagem transgênero apareceu nos 100 filmes de maior bilheteria de 2014”[4].

Embora tais dados assustem, a indústria independente tem fornecido mais espaço a esses sujeitos. Começamos falando de Sense8, série da Netflix que motivou esta resenha. O seriado narra a história de oito pessoas desconhecidas entre si, que vivem cada uma em um local do mundo. O ponto nevrálgico da série é que todos estão ligados por um liame maior do que eles mesmos; de alguma forma, eles se conectam e partilham entre si habilidades, pensamentos e sentimentos.

Entre os protagonistas logo de cara se percebe a mencionada diversidade: uma mulher sul-coreana, que é de dia empresária e à noite lutadora; um ator de cinema mexicano e homossexual; uma indiana que se vê obrigada a seguir a tradição do casamento forçado; um negro humilde buscando sustento para a família em um país com alta criminalidade; a jovem hacker transexual que busca respeito e liberdade, entre outros.

Trata-se de evidente evolução o fato de histórias tão inusuais nas telas – ainda que tão comuns na realidade – estarem, por exemplo, em um serviço imensamente popular de streaming como a Netflix. E parte disso tem a ver com o fato da diversidade estar alcançado também os setores de criação cinematográfica. A própria série Sense8 foi elaborada pelas Irmãs Lilly e Lana Wachowski (antes conhecidas como Irmãos Wachowski) que recentemente se assumiram como mulheres trans. A partir disso, veio à tona o projeto da série que é um convite à reflexão acerca da diversidade do mundo.

Ou seja, me parece que oportunizar espaços de expressão às minorias faz-se extremamente necessário, posto que trazem à tona histórias que ainda não foram contadas, pois não interessavam aos padrões previamente estabelecidos. Peguemos também o exemplo de Shonda Rhymes, roteirista que tem se destacado por escrever papéis femininos fortes, o que conforme estudos demonstram, não é frequente. Grey’s Anatomy, Scandal, How to Get Away with Murder são séries que tem feito grande sucesso, justamente porque o público feminino é numeroso e está sendo representado por essas histórias.

Mais do que nunca tem se falado em igualdade. Padrões estéticos, sociais e sexuais tem sido quebrados em prol da diversidade cultural e, principalmente do direito à dignidade e igualdade de se viver conforme o desejo de cada indivíduo. O cinema deve ser o reflexo da nossa sociedade e precisa exprimir a realidade. Do contrário, se torna inventado, surreal e capcioso.

E, além de retratar a verdade de tantos sujeitos, produções que protagonizam as lutas e o cotidiano dessas minorias são educativas, porquanto sugerem pontos de vistas diversos, fomentando o exercício da empatia (o colocar-se no lugar do outro). Em Sense8, por exemplo, a atriz que dá vida à transexual Nomi também é transgênero. E em cenas onde essa discussão é pauta, vemos personagem e intérprete misturados. Para mim, essas são as verdadeiras grandes atuações: onde não há como se distinguir o ator de seu papel, diante de tamanha imersão na trama.

O tópico é complexo e não pretende ser exaurido nesta resenha. São inúmeros os fatores que contribuem para que a indústria do cinema reproduza apenas um lado da moeda. São fatores econômicos, sociais e culturais. E se a reprodução desses paradigmas não geram questionamentos ou insurgências, a tendência é a permanência.

Porém, aos poucos vislumbram-se pequenos avanços que sugerem uma mudança de pensamento. Diante das manifestações contra o chamado “Oscar branco” vimos uma grande reviravolta na Academia neste ano. O prêmio de melhor filme do ano foi para “Moonlight”, Viola Davis levou o Oscar de melhor atriz coadjuvante e foi o ano com mais indicações a negros da história da premiação, tendo sido vinte profissionais negros indicados. Em tempo: Sofia Coppola foi premiada em Cannes como melhor direção, cujo festival ocorreu neste final de semana.[5]

Há muito a ser conquistado, mas cabe a nós a reflexão e consciência por mais igualdade e representatividade no cinema e, por que não sublinhar, na vida.