“O mínimo para viver” e o drama dos distúrbios alimentares

Em “O Mínimo para viver” nos deparamos com situações não raras, mas que muitas vezes ignoramos ou é passamos batido. A produção é um retrato do cotidiano de uma jovem com distúrbios alimentares.

Ellen (Lily Collins) é uma garota de 20 anos que não consegue se alimentar. E através de desenhos que publica na internet, ela externa seus temores e seu sofrimento. Pelo enredo se extrai que a família já buscou várias tentativas de recuperação, que não tiveram sucesso.

A história é complexa e delicada e o filme não é agradável ou leve. Pelo contrário, traz desconforto e tristeza. Desconforto pela tamanha desinformação que se tem em relação a esses distúrbios, a começar pela falsa impressão de que temos do padrão de pessoa que é acometida por essa doença, que pensamos sempre serem pessoas magras. Também choca o fato de um ato “simples” para alguns e deveras prazeroso, como a alimentação, ser fonte de um sofrimento tão grande para essas pessoas.

Com o decorrer dos minutos, se começa a “entender”, de certa forma, o que se passa com aqueles que sofrem disso, através de falas que explanam com exatidão seus pensamentos: “É como se o mundo fosse implodir”, diz Ellen ao lembrar da sensação de comer um chocolate. A imersão no tema é tão pessoal e proposital, já que o produtor e diretor Marti Noxon elaborou o roteiro com base na sua própria experiência.

Além disso, o filme retrata as consequências da doença no âmbito familiar, ao passo que, também mostra o despreparo ao lidar com questão tão delicada. A madrasta, por exemplo, atribui a conduta de Ellen a sua mãe ter se assumido homossexual; o pai é tão ausente que não se faz presente no filme pessoalmente, apenas em menções. O que todos concordam é que Ellen precisa de ajuda, mas não sabem como.

Nesse quadro, entra o Dr. Beckham, vivido por Keanu Reeves. Ele é dono de uma “clínica”. Entre aspas, porque não se trata de uma clínica convencional; o local é como um lar para pessoas que vivenciam distúrbios alimentares. A casa tem algumas regras como pesar-se com frequência e com o eventual ganho de peso, ganham-se pontos. Os pontos levam a certas liberdades como poder sair ou ter acesso à internet.

Os diálogos são fortes e realistas e acabam servindo para causar reflexão diante de qualquer situação problemática, não apenas a alimentar. Ellen precisa entender qual o sentido da vida para ela e qual seu valor. Apenas depois disso conseguirá tomar o passo necessário para sua melhora.

Beira a incredulidade saber que tantas pessoas passam por essa experiência, ou pior, saber que os padrões de beleza encorajam tais práticas para forçar uma adequação de pessoas que são plurais, diferentes. Para viver Ellen, a atriz Lily Collins emagreceu e foi elogiada por uma vizinha. Em entrevista à revista Edit, Lilly conta o ocorrido: “Eu estava saindo de casa esses dias e uma mulher que conheço há muito tempo, da idade da minha mãe, olhou para mim e disse ‘Uau, olhe para você!’. Eu tentei explicar que estava emagrecendo para um papel e ela disse ‘Não! Eu quero saber o que você está fazendo, você está ótima!’. Depois disso, entrei no carro da minha mãe e disse ‘É por isso que esse problema existe”.

Não é natural que haja apenas um tipo de beleza estabelecido e que todas as pessoas tenham que segui-lo, ainda que implicitamente, mas culturalmente é presente essa influência. Em contrapartida, é natural que se tenham inseguranças ou desconfortos com nossos corpos. Mas o que precisa ser pensado é se queremos mudar para atingir uma aspiração pessoal e ou se o que se busca é apenas adequar-se ao que é socialmente considerado bonito.

O filme é uma produção da Netflix que já está disponível desde 14 de julho e tem diversos pontos fortes. Entre eles, destaca-se a preocupação do roteiro em informar e revelar o ponto de vista do envolvido, demonstrando as inquietações sofridas por quem passa por essa situação. A fotografia, igualmente, é ponto positivo, trazendo belas cenas à produção. Ainda, a própria atriz Lily Collins trouxe realismo à interpretação, já que a mesma já sofreu dos mesmos transtornos, fato que, segundo ela mesma, contribuiu na construção da personagem. “O mínimo para viver” é mais um filme com discussões sociais importantes, tais quais a Netflix tem produzido acertadamente e merece sua atenção.