O cinema sensorial de Petra Costa em “Elena”


“Elena, sonhei com você essa noite. “ Com essa frase, a diretora Petra Costa nos conduz ao início de seu documentário: “Elena”. O diálogo de Petra com sua irmã é constante durante todo o filme. Petra viaja a Nova York em torno a saudade que sente da irmã. Gravações de voz feitas por Elena mesclam-se as paisagens da cidade grande. Petra faz um jogo com as imagens, tornando-as extremamente sensoriais e consequentemente despertando efeitos de sinestesia em sua obra. Esse jogo de imersão dos sentidos perpetua a filmografia da diretora desde seu primeiro trabalho audiovisual, o curta “Olhos de Ressaca”, no qual ela faz um retrato da vida de seus avós. Mas é em “Elena” que conhecemos ainda mais a estética que se consolidaria como uma das marcas de Petra. No documentário, somos apresentados a breve, porém intensa vida de sua irmã, que traz consigo a busca pelo sonho de ser atriz e os obstáculos em sua volta. A narração de Petra em voice over surge diante das imagens de arquivo de sua família e vão nos mostrando pedacinhos da sua própria convivência com a irmã. Petra fala não somente de Elena, como também de si, de toda a família e de o impacto que uma faria na vida da outra. Fica-se perceptível o caminho que Elena trilha…até se perder. Enquanto Petra caminha e lembra-se da irmã, as imagens em torno de si são como um borrão. A impressão que fica é de que tudo que está acontecendo ao seu redor se tornasse invisível diante de suas lembranças. Petra mexe com os nossos sentidos outra vez.
No segundo ato do filme, começamos a conhecer o lado psicológico aflorado de Elena a partir de um de sus relatos. “Fico triste… triste… Me sinto gorda e vazia. “ A partir desse ponto vemos a vida de Elena se destrinchar em torno a depressão. Petra vê a irmã chorando e sabia que aquela não seria a primeira vez. O transtorno que perpetua sua vida a faz não saber lidar com o peso, com as cobranças em volta da carreira de atriz. Nessa visita ao passado feita por Petra, surge a figura de sua mãe. Quando rememora a filha, a mãe de Petra fala, apontando para o coração: “Ela dizia que sentia um vazio enorme, solidão, aqui…”. Com o problema psicológico de Elena ficando mais e mais evidente, as imagens tomam o desfoque outra vez. Por um momento sente-se o desespero de Elena em ver-se num mundo no qual não conseguiria alcançar seus sonhos. “Sem a arte, eu prefiro morrer. “
Nem mesmo o tom documental da obra faz com que Petra largue a estética mais atrelada ao ficcional. Até mesmo durante as entrevistas onde se ouvem relatos sobre Elena, filma-se em close o rosto de quem fala, gerando uma aproximação maior as palavras ditas. Não é a toa o fato de que Petra use tanto esses recursos estilísticos. Em momentos como o qual Elena fala que se sente escura, a imagem fria cai como uma luva, respondendo a seus próprios sentimentos. O desfecho de Elena nos é apresentado de forma breve, silenciosa. A imagem que surge posteriormente na tela é a que Petra guardaria da irmã. “Eu tô dançando com a lua. “, dizia Elena. E a imagem da lua se movimenta e baila junto com ela. A Elena ali na tela que viva ainda tinha em seu corpo os sonhos a fluir. A cena se transcorre ao som de “Valsa para Lua”, do compositor Vitor Araújo. A imagem caseira gravada pela câmera de Elena proporciona um dos momentos mais lindos já vistos em uma obra documental. O coração de nós, que assistimos, aperta ao ver a paixão que Elena tinha pela dança, teatro, a arte como um todo.
No terceiro ato de “Elena”, entendemos o porquê do olhar distante de Petra e da sua mãe, que conviviam com o luto (fator que agora era inerente na vida de ambas). Vemos o impacto que a dor passa a causar na vida de ambas. Dor que morfina nenhuma apagaria por completo. Petra relata o medo que manteve por um grande tempo de que sua mãe sucumbisse ao mesmo destino da irmã que, rodeada na vontade de morrer e na culpa, acabou por não resistir.
O luto de Petra e sua mãe só se adormece depois do fortalecimento da relação entre as duas. Elas sabiam que dali em diante teriam uma outra. E é nos primeiros minutos do fechamento do longa que Petra nos abraça novamente diante do aspecto ficcional dentro de seu documentário. De mãos dadas, ela e a mãe flutuam sobre a água. “Pouco a pouco as dores viram água, memórias. “ Surgem outras mulheres flutuando na imensidão. Mulheres que em si, em algum momento da vida, como todos nós, acabariam tendo um pouco de Elena. Dançando na rua, Petra sela seu futuro, despedindo-se da irmã e de nós, que acompanhamos até aqui. “Você é minha memória inconsolável, é dela que tudo nasce… e dança.”