A história de uma sobrevivente de guerra em “First they killed my father”

A guerra do Vietnã já foi objeto de inúmeras produções cinematográficas até hoje, sendo que algumas delas tornaram-se clássicos como “Apocalypse Now” (Francis Ford Coppola) e “Nascido para matar” (Stanley Kubrick). Mas, como toda produção norte-americana, esses clássicos jamais se ocuparam em contar as outras versões da história.

First they killed my father” não aborda diretamente o conflito vietnamita, e sim as consequências da guerra em um país vizinho – o Camboja. Em um primeiro momento, a nação se manteve neutra em relação ao conflito entre os Estados Unidos e Vietnã, fato que desagradou os interesses americanos. Em retaliação, o país estadunidense operou uma troca de governo no Camboja, colocando um governo de sua confiança. Com a desestabilidade política instaurada, surgiu uma resistência socialista chamada de “República Democrática do Kampuchea”, que tomou o poder à força.

O filme, contudo, não se preocupa em contar essa história de forma evidente. Todas essas ocorrências se passam pelos olhos da pequena Loung Ung que teve uma ruptura significativa em sua vida. Com apenas cinco anos de idade abdicou de uma vida de luxo provida por seu pai militar para uma “vida de igualdade”, segundo os pressupostos do Khmer Vermelho.

A película é extremamente visual e quase não se preocupa com as falas, até porque não há voz em um regime autocrático. O foco está totalmente na visão de Loung e em sua experiência de fome, agonia e medo, já que agora seu pai militar vira um alvo daqueles que tomaram o poder.

Sem adentrar ainda mais no enredo, é bom se preparar: esse é um filme forte e pesado. São quase como experiências vívidas de uma sobrevivente da guerra. A perspectiva agora não está nos soldados, mas nos civis e em seu dia-a-dia de trabalho forçado, pouca alimentação, sofrimentos físicos e execuções imediatas daqueles que se opusessem ao novo governo – que dizimou cerca de ¼ da população do Camboja.

A fotografia merece destaque por conseguir capturar cenas belas em meio a tamanha destruição. Registrar a dor de uma pequena criança e torna-la expressiva pode ser muito mais desafiador do que a captura de momentos felizes ou de belas paisagens. Portanto, o antagonismo entre a beleza e o horror foi um desafio que acabou bem-sucedido no longa.

Mas por que assistir esse filme? Podemos enumerar algumas razões. A primeira delas é a perspectiva; quando assistimos os filmes acima mencionados pode até soar heroico sair da guerra com vida ou fazer um bom trabalho e aniquilar o inimigo. Aqui vemos a história contada pelas pessoas que tem seu lar invadido.

A segunda delas, é ver uma experiência de “igualdade”: mesmo corte de cabelo, mesmas roupas, mesmo trabalho, mesma comida. Tamanha é a igualdade que não espaço para qualquer individualidade ou qualquer liberdade, seja de expressão ou de pensamento, onde o controle é absoluto. Essas indagações também são importantes para vislumbrar uma experiência “socialista”.

Dirigido e escrito por Angelina Jolie e inspirado na história real de Loung Ung, “First they killed my father” é um olhar novo sobre as consequências da guerra do Vietnã, onde já vimos incansavelmente apenas a perspectiva norte-americana. O filme, que é uma produção original da Netflix, foi o escolhido para representar o Camboja no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2018.